Título: Dissidente cubana comove Argentina
Autor: Ariel Palacios
Fonte: O Estado de São Paulo, 25/07/2006, Internacional, p. A13

Hilda Molina, reconhecida médica cubana - dissidente do regime do líder socialista Fidel Castro - que tem netos argentinos, é fonte de tensões há vários anos entre os governos da Argentina e de Cuba. Na sexta-feira, o caso voltou à tona quando o presidente argentino, Néstor Kirchner, entregou pessoalmente - durante a reunião de cúpula de presidentes do Mercosul na cidade argentina de Córdoba - uma carta a Fidel pedindo a libertação da dissidente, para que ela possa visitar sua família em Buenos Aires, que não vê há 12 anos. Fidel, convidado especial da conferência de cúpula, ficou carrancudo e nada respondeu.

Ontem, em declarações à imprensa argentina, Molina - que reside em Havana - afirmou que sente "terror" de que Fidel tome represálias contra ela e sua mãe por causa do pedido de Kirchner.

O caso comove a Argentina, já que Molina e sua mãe, Hilda Morejón, de 87 anos, vivem na pobreza, longe dos netos e bisnetos argentinos, e ameaçadas pelo regime de Fidel.

Molina declarou neste fim de semana que se sentia "torturada psicologicamente" pelo regime: "Se Fidel tivesse me fuzilado, seria um favor, pois há métodos de tortura mais cruéis que a própria morte."

Em Buenos Aires reside seu filho, o médico Roberto Quiñones. Há três anos ele começou uma campanha perante a chancelaria argentina para que o governo deste país tente conseguir a permissão para que sua mãe e a avó possam sair de Cuba e vir a Buenos Aires. Mas o governo de Fidel opôs-se a considerar essa possibilidade.

O caso Molina até causou divisões dentro do Ministério das Relações Exteriores da Argentina e a queda, em 2004, do então chefe do gabinete, embaixador Eduardo Valdés, que defendia a liberação. Segundo analistas, Kirchner só se interessou pelo caso porque estava sendo acusado pela oposição e a mídia de "covardia" por não pedir a Fidel a liberação de Molina. "Espero que Fidel finalmente entenda que a saída de minha mãe e minha avó de Cuba é um pedido humano", afirma Quiñones.

TRÁFICO DE ÓRGÃOS Molina, importante cientista da área médica, considerada uma das principais neurocirurgiãs da ilha, havia sido participante entusiasta da revolução cubana desde o início. A médica até trabalhou dois anos na Argélia, em uma "missão internacionalista". Mas, em 1994, começou a divergir de Fidel.

Ela criticou médicos cubanos por estarem envolvidos - com a suposta concordância oficial - em tráfico de órgãos humanos, e fundou a Associação Médica Independente.

Por causa das diferenças políticas e de ética médica, começou a ser perseguida. Molina renunciou à sua cátedra e devolveu as medalhas dadas pela revolução. Desde então, é considerada "inimiga". O governo cubano está tentando torpedear sua imagem e espalhou o rumor de que Molina foi no passado amante de Fidel. O governo suspendeu a aposentadoria de Molina. Ela e sua mãe vivem graças a pensão de 160 pesos cubanos (US$ 8 mensais) da mãe.

Cuba, até ontem à noite, não havia respondido ao pedido de Kirchner. No entanto, o governo espera que, no máximo em dez dias, possa haver uma resposta de Cuba. Existem 2 mil pessoas em Cuba com vistos para entrar em outros países, mas que não podem sair da ilha por decisão do governo Castro.