Título: Todos à procura de um culpado
Autor: Jamil Chade
Fonte: O Estado de São Paulo, 25/07/2006, Economia & Negócios, p. B3

Ao deixar o encontro que resultou na suspensão da Rodada Doha da Organização Mundial do Comércio (OMC), ontem em Genebra, cada país apresentou sua versão sobre qual teria sido a razão do fracasso.

Para europeus, indianos e brasileiros, a culpa foi a falta de flexibilidade dos americanos em reduzir seus subsídios domésticos para a agricultura.

Washington sugeria um corte de seus atuais US$ 22 bilhões para US$ 18 bilhões, o que não era considerado suficiente.

"Todos mostraram flexibilidades, menos os Estados Unidos que não estavam prontos para reconhecer que os demais países fizeram sua parte", afirmou Peter Mandelson, comissário de Comércio da Europa.

O chanceler brasileiro, Celso Amorim, considerou que um acordo estava próximo. "Acho que se tivéssemos resolvido a questão dos subsídios com uma liderança política, o resto poderia se encaixar."

Os EUA tinham uma avaliação diferente. Susan Schwab, representante de Comércio da Casa Branca, alegou ter apresentado flexibilidade nos subsídios. Segundo ela, o problema é que os demais negociadores, principalmente os europeus, não mostraram que cederiam no corte de tarifas de importação. "Não vamos aceitar uma Rodada Doha Light."

Para Mandelson, a Europa já havia aceitado um corte de 51%. Amorim concordou que o corte não era suficiente, mas que pelo menos ia no bom caminho.

Os americanos ainda culparam os países emergentes pelo impasse alegando que não queriam abrir seus mercados para os produtos agrícolas.

O secretário americano de Agricultura, Mike Johans, acusou chineses e indianos de bloquearem entre 95% e 98% de seus mercados. Kamal Nath, ministro do Comércio da Índia, rejeitou a acusação. "Os países pobres não podem pagar pela redução das distorções no comércio. Não há justiça no pedido americano."

A realidade é que os debates nem conseguiram chegar ao capítulo de bens industriais, onde certamente seria exigido muito mais do Brasil. Mas o que preocupa muitos é que vários temas que já haviam sido fechados podem voltar a ser rediscutidos. Um deles é o fim dos subsídios à exportação em 2013, negociado em Hong Kong no ano passado e condicionado a um acordo este ano na OMC. "Esperamos que esses pontos não desapareçam no ar", disse Amorim. O diretor-geral da OMC, Pascal Lamy, também pediu para que os países "não caíssem na tentação de retirar suas propostas".

CONSEQÜÊNCIAS Segundo Lamy, as conseqüências da suspensão da Rodada são "graves" e incluiriam até mesmo sua morte. Para Mandelson, os custos econômicos e políticos do fracasso e o enfraquecimento da OMC são os preços pagos pelo fiasco.

Quanto ao futuro das negociações, nenhum ministro arrisca um palpite. "Não sabemos o que ocorrerá. Os países precisam repensar o que querem", disse Lamy.

"Isso tudo é um grande fracasso. Só o tempo dirá se é definitivo", afirmou Mariann Fischer Boel, representante agrícola da Europa.

Para muitos, uma peça-chave na retomada do processo serão as eleições legislativas nos Estados Unidos e uma eventual renovação da autorização que o Congresso americano dá à Casa Branca para que continue a negociar acordos depois de 2007. Sem a autorização, nenhum governo aceitaria sentar à mesa com Washington.