Título: 'Brasil tem de correr para recuperar tempo'
Autor: Jamil Chade
Fonte: O Estado de São Paulo, 25/07/2006, Economia & Negócios, p. B4

O fracasso da Rodada Doha vai levar a uma multiplicação de acordos bilaterais de comércio no mundo, o que pode prejudicar o Brasil, acreditam empresários e especialistas. "Vamos ter que correr muito para recuperar o tempo que perdemos, estamos atrasados nos acordos bilaterais", diz Osvaldo Douat, coordenador da Coalizão Empresarial Brasileira.

"Esses acordos provocam desvio de comércio e investimentos para quem não tem esse tipo de tratado como o Brasil." Sem Doha, Douat teme também um recrudescimento das medidas antidumping.

Rubens Barbosa, presidente do Conselho Superior de Comércio Exterior da Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp), acha que será preciso "rever a política externa" brasileira. "Precisamos enfocar a política externa de maneira mais objetiva, estamos fazendo acordos comerciais com Cuba e Paquistão."

Mas Barbosa acredita que, do jeito que estavam as negociações da Rodada Doha, os resultados para o Brasil seriam muito limitados (em termos de redução de subsídios e picos tarifários). Segundo ele, o grande problema eram as listas de exceção, com 8% a 10% das linhas tarifárias.

"Eles iriam deixar de fora das reduções tarifárias todos os produtos de nosso interesse", diz Barbosa. "É melhor não ter acordo do que ter um mau acordo."

Para o diretor do Departamento de Relações Internacionais e Comércio Exterior (Derex) da Fiesp, Roberto Giannetti da Fonseca, a indústria brasileira também perde com a suspensão das negociações.

Embora o núcleo da Rodada Doha seja o mercado agrícola, ele ressaltou que setores como o têxtil, o de móveis e o calçadista têm muito a ganhar com a abertura do comércio mundial.

Apesar da crise deflagrada nesta madrugada, que culminou com a interrupção das negociações por prazo indeterminado, Giannetti não acredita que a Rodada Doha tenha chegado ao fim. "Enquanto houver chance na negociação, há esperança."

TRABALHADORES O Instituto para Agricultura e Política Comercial (IATP, na sigla em inglês), destacada ONG dos Estados Unidos, acredita que o fracasso das negociações da OMC oferece uma grande oportunidade para que o sistema internacional de comércio aceite uma nova abordagem, que leve em conta os interesses dos trabalhadores no mundo inteiro.

Em comunicado, a diretora do IATP em Genebra, Carin Smaller, afirmou que a interrupção das negociações revela as limitações do atual modelo das regras multilaterais de comércio.

É hora, segundo ela, de as regras focarem na melhora das condições de vida dos povos, no aumento do nível de emprego e na abertura de espaço para os países mais pobres desenvolverem suas economias.

Para produtores rurais de baixa escala nos países em desenvolvimento e mesmo para a agricultura familiar dos Estados Unidos, o sistema da OMC "tem sido devastador".