Título: A gastança e o câmbio
Autor:
Fonte: O Estado de São Paulo, 20/07/2006, Notas e Informações, p. A3
Continua emperrada a minirreforma cambial anunciada várias vezes pelo ministro do Desenvolvimento, Luiz Furlan, confirmada pelo ministro da Fazenda, Guido Mantega, e agora prometida para a próxima semana - se o governo conseguir resolver uma última questão de detalhe. O governo não pode, segundo Mantega, arriscar-se a perder uma pequena parcela do tributo arrecadado sobre as transações cambiais. Essa parcela foi estimada pela Receita Federal em R$ 200 milhões. A justificativa seria fraca em qualquer circunstância. Chega a ser ridícula, quando é usada por um governo empenhado em desbragada gastança eleitoreira.
A minirreforma agora depende, segundo o ministro da Fazenda, de se achar um meio de evitar a perda de receita da CPMF, a Contribuição Provisória sobre a Movimentação Financeira. "Se a cada medida abrirmos mão de arrecadação, daqui a pouco os cofres públicos estarão debilitados e terei dificuldade em cumprir o superávit primário", disse Mantega.
Ele não revelou a mesma preocupação, pelo menos publicamente, diante de todas as bondades fiscais anunciadas pelo governo, nos últimos meses, nem diante da expansão de gastos públicos de pouquíssima ou nenhuma utilidade para o País.
De janeiro a junho foram aplicados R$ 476,8 milhões em publicidade institucional, bem mais que a média semestral dos três anos anteriores, de R$ 351,5 milhões. O grande beneficiário dessas despesas foi mesmo o grupo interessado na reeleição do presidente. Se houve alguma utilidade pública, deve ter sido mínima. Mas esse pormenor parece desimportante para os membros do primeiro escalão do governo, quando se trata de justificar a gastança promovida a partir do fim do ano passado e denunciada por especialistas em finanças públicas.
Mesmo noutra circunstância, a renúncia àqueles R$ 200 milhões seria amplamente justificada pelos benefícios fiscais da minirreforma. Pela mudança em estudo, as empresas poderão manter no exterior parte da receita obtida com as exportações. Terão autorização para usar o dinheiro no pagamento de seus compromissos em moeda estrangeira - importações, por exemplo. Assim, ficarão livres de duas operações: a venda dos dólares no mercado interno, quando exportarem, e a compra de moeda estrangeira, quando precisarem liquidar contas com os credores. Haverá redução da burocracia e dos custos financeiros. O regime cambial brasileiro ficará um pouco mais moderno e mais adequado a uma economia aberta e envolvida, portanto, na intensa competição internacional.
Além disso, a manutenção de parte dos dólares no exterior diminuirá a oferta no mercado cambial. Isso poderá atenuar a tendência à valorização do real, uma importante desvantagem competitiva, porque o dólar barato estimula a importação e torna a exportação menos compensadora. Este não será, provavelmente, o principal benefício da minirreforma cambial, mas, no conjunto, os efeitos da mudança poderão ser muito positivos.
Mas há pelo menos uma boa notícia sobre a minirreforma. O ministro da Fazenda abandonou, segundo as últimas informações, a idéia de aplicar as novas normas de forma diferenciada. Na versão anterior do projeto, só empresas e setores selecionados seriam autorizados a manter parte de sua receita cambial no exterior. Empresários e especialistas em comércio criticaram a idéia. Seria, sob vários aspectos, um retrocesso. Equivaleria, na prática, a um retorno ao velho regime do câmbio múltiplo, condenado pelas normas da Organização Mundial do Comércio (OMC).
Mas o governo ainda não se rendeu plenamente aos argumentos do bom senso. Suas decisões continuam condicionadas pela voracidade fiscal. A arrecadação de alguns milhões de reais, proporcionados pela CPMF, um dos piores tributos, continua a ser mais importante do que os objetivos de longo prazo da economia.
Um pequeno esforço de contenção de gastos bastaria para a absorção daquela perda. A economia seria duplamente beneficiada: haveria uma pequena melhora na gestão do dinheiro público e, ao mesmo tempo, as empresas ficariam livres de um entrave burocrático e financeiro. Isto nem chega a ser uma avaliação de ganhos e perdas, porque as perdas seriam nulas - pelo menos para o País.