Título: Bush veta lei de pesquisa com embriões
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Fonte: O Estado de São Paulo, 20/07/2006, Vida&, p. A18

O presidente George W. Bush usou ontem, pela primeira vez desde que assumiu o cargo há cinco anos e meio, seu poder de veto para barrar uma lei aprovada um dia antes no Senado que facilitaria as pesquisas com células-tronco embrionárias humanas.

A lei, aprovada por 63 votos contra 37, permitiria o financiamento público federal de pesquisas com embriões congelados de clínicas de fertilização prestes a serem descartados. Faltaram apenas quatro votos para obter a maioria mínima necessária (67) para evitar o veto presidencial. Ontem, a Câmara dos Deputados ainda tentou angariar votos para reverter o veto, mas não conseguiu.

Ao justificar o veto, Bush afirmou que a pesquisa com células-tronco embrionárias "ultrapassa uma fronteira moral" e "dá sustentação a que se tire a vida de um ser humano inocente na esperança de se encontrar benefício médico para outros". Ele também disse que os embriões não são "peças sobressalentes".

Desde 2001, o financiamento do governo para pesquisas na área estão restritos a algumas poucas linhagens preexistentes de células embrionárias. Qualquer trabalho com novas linhagens, portanto, continua proibido de receber verbas federais.

As células-tronco embrionárias têm potencial para se transformar virtualmente em qualquer tipo de célula do corpo. A partir delas, os cientistas esperam um dia produzir tecidos para uma infinidade de aplicações terapêuticas, que vão desde o tratamento de doenças degenerativas como o mal de Parkinson até a reparação de traumas celulares causados por enfartes ou lesões na medula espinhal.

Obter células-tronco embrionárias, entretanto, implica em destruir embriões humanos - o que muitos, incluindo o presidente Bush, consideram ser imoral. Defensores das pesquisas, por outro lado, ressaltam que as células são retiradas do embrião com menos de uma semana de desenvolvimento, quando ele é ainda menor do que o ponto no final desta frase. Além disso, muitos dos embriões congelados nas clínicas de fertilidade acabam sendo descartados ou tornam-se inviáveis para reprodução.

James Sherley, professor de Engenharia Biológica no Instituto de Tecnologia de Massachusetts (MIT), contrário ao uso de células embrionárias por questões morais, diz que as células-tronco adultas "podem fazer tudo o que precisamos para assegurar as terapias". Porém, outros cientistas afirmam que é problemático isolar e multiplicar células-tronco adultas, que são menos versáteis que as embrionárias e podem não ser apropriadas para uso em terapia médica.

BUROCRACIA

Os cientistas, nesse meio tempo, conseguiram obter e trabalhar com linhagens de células mais novas, mas para isso tiveram de separar completamente os projetos de outras pesquisas financiadas com dinheiros federal, o que significou duplicação de esforços e burocracia.

Só a Universidade da Califórnia em São Francisco gastou mais de US$ 5 milhões para construir um novo laboratório, reproduzindo grande parte dos equipamentos já disponíveis em outras instalações, segundo Arnold Kriegstein, diretor do Instituto de Medicina Regenerativa da instituição.

A Universidade Harvard, por sua vez, anunciou planos para realizar clonagem terapêutica com uso de dinheiro privado - já que o financiamento federal neste caso também não é autorizado pelo governo. A clonagem terapêutica - em que as células-tronco são criadas a partir de uma célula do corpo de uma pessoa, em vez de obtidas de um embrião congelado - poderá um dia ser utilizada para o tratamento de pessoas com doenças específicas ou para a substituição de tecidos. A vantagem é que as células, nesse caso, seriam idênticas à do paciente, eliminando o risco de rejeição do novo tecido.

FINANCIAMENTO PRIVADO

É difícil saber o quanto a política do presidente Bush realmente atrasou a pesquisa.

Neste ano, a verba pública para investigação médica na área das células-tronco embrionárias humanas foi de US$ 38 milhões, ante US$ 571 milhões em outras formas de pesquisa com células-tronco. Até certo ponto, as doações privadas de dezenas de milhões de dólares ajudaram a cobrir a diferença, mas de acordo com cientistas, o financiamento federal seria uma fonte mais estável e mais abundante.

Alguns Estados americanos também estão investindo por conta própria na área, e a maior contribuição é da Califórnia, que deve aplicar US$ 3 bilhões num período de dez anos. Ainda assim, o dinheiro agora está bloqueado por uma ação judicial.

"Os cientistas são persistentes e engenhosos e assim vamos encontrar meios para continuar nosso trabalho, apesar de tudo", diz Evan Snyder, professor e diretor do programa de células-tronco no Instituto Burnham de Pesquisa Médica em San Diego.