Título: Comércio exterior
Autor: Rubens Barbosa
Fonte: O Estado de São Paulo, 27/06/2006, Espaço Aberto, p. A2

As rápidas transformações e o crescimento do setor externo brasileiro expõem, de forma dramática, as deficiências e limitações do processo decisório no comércio exterior. Torna-se, dessa forma, cada vez mais importante a participação do Congresso, de empresários, sindicatos e da sociedade civil em geral na formulação das políticas, e necessária maior coordenação entre os diferentes ministérios e agências governamentais direta ou indiretamente envolvidos.

As negociações comerciais externas, por seu grande número, diferentes contextos (multilateral, regional e bilateral), complexidade e natureza técnica trazem um grande desafio para os mecanismos de coordenação, como o Conselho Econômico e Social do Mercosul, a Senalca, a Seneuropa e a Coalizão Empresarial Brasileira, criados pelo governo e pelo setor privado para acompanhar os entendimentos e poder influir nas decisões.

Os problemas que hoje desafiam a criatividade e a eficiência do setor privado voltado para a exportação - como a legislação cambial defasada, as deficiências logísticas de portos, estradas, ferrovias e hidrovias, a alta carga tributária e social, a imprevisibilidade de medidas fiscais e monetárias tomadas pela Receita Federal e pelo Banco Central, que afetam diretamente a competitividade dos produtos brasileiros - estão demandando mudanças rápidas, mas reconhecidamente difíceis de ser implementadas. Para facilitar a tomada de decisões de forma coordenada se tornou urgente uma discussão franca e objetiva sobre se deve ser mantido o atual sistema burocrático, que envolve cerca de 23 ministérios e 10 departamentos e agências, além de mais de 3.900 leis, decretos e regulamentos.

Em 1995 foi criada a Camex, composta de um conselho de ministros e uma secretaria-executiva. Em sucessivas modificações, a Camex foi reformulada, como fórum de coordenação, envolvendo os ministérios diretamente responsáveis pela operação interna e externa do comércio. Hoje nenhuma medida que afete o setor exportador poderia ser editada sem discussão prévia da Câmara, o que, caso fosse cumprido, aumentaria o grau de estabilidade das regras e diminuiria o risco de surpresas para o exportador.

Dentro desse quadro, faz falta uma estrutura de coordenação, em nível alto, que visaria basicamente a fortalecer institucionalmente o setor de comércio exterior, agilizar o mecanismo administrativo e ampliar a coordenação dos diferentes órgãos que interferem no processo negociador interno e externo.

A efetiva coordenação se impõe pela necessidade de:

Dar respostas rápidas e eficientes aos desafios de um mundo globalizado e com restrições cada vez mais sofisticadas para as exportações dos países em desenvolvimento;

responder às demandas logísticas da rápida e considerável ampliação das exportações;

definir estratégias para as negociações comerciais na OMC, as negociações no âmbito hemisférico (Alca), as regionais (Mercosul, Mercosul-Grupo Andino), as birregionais (Mercosul-União Européia e Mercosul-Sacu) e as bilaterais;

coordenação cada vez mais estreita entre governo e setor privado, pela íntima relação entre comércio exterior, política industrial e investimentos;

evitar a crescente politização das negociações comerciais, subordinadas a objetivos de política externa nem sempre coincidentes com interesses do comércio exterior e do setor privado.

Reclamada pelo setor privado e amadurecida do ponto de vista do interesse nacional, torna-se imperiosa a criação da função de presidente da Camex, a ser exercida por um ministro extraordinário para a coordenação do comércio exterior, vinculado à Presidência da República, com uma estrutura permanente, reduzida e desburocratizada, a exemplo do que ocorre com a USTR, a Representação Comercial dos EUA.

Na prática, o que se busca é reforçar a legislação que criou e aperfeiçoou a Camex, delegando a um ministro a efetiva coordenação do setor externo. A Camex seria mantida como órgão colegiado de coordenação, em nível ministerial, e continuaria a ser integrada pela Casa Civil e pelos Ministérios da Fazenda, de Relações Exteriores, Agricultura, Reforma e Desenvolvimento Agrário, Planejamento e Desenvolvimento, Indústria e Comércio (que voltaria à sua denominação original). Outros órgãos poderão ser chamados a participar quando houver matéria relevante da respectiva área.

O que muda é a delegação presidencial para que as decisões passem a ter um ponto focal, já que ao ministro coordenador seria dada a atribuição de coordenar os diferentes órgãos que intervêm na área de comércio exterior. Não será necessário alterar nem a competência nem as funções da Camex, mas apenas reforçá-la legalmente para que os órgãos intervenientes não tomem decisões sem prévia audiência do colegiado.

A modificação do processo decisório, com a criação do cargo de ministro extraordinário coordenador do comércio exterior, seria acompanhada, entre muitas outras medidas urgentes, de lei única de comércio exterior, para facilitar a vida do exportador e reduzir o custo Brasil, e da modernização da administração aduaneira, com sua separação da Receita Federal.

Essa proposta, examinada no âmbito do Conselho de Comércio Exterior e do Departamento de Relações Internacionais da Fiesp, foi apresentada e endossada pelo Congresso da Indústria realizado em 27/5. Juntamente com a CNI, que também elaborou proposta na mesma linha, a sugestão deverá ser apresentada a todos os candidatos à Presidência da República.

A tarefa é complexa e difícil, mas inadiável. É necessário aprofundar o exame desse tema, sem medo de mudar e propor novas soluções. O comércio exterior é peça importante para a estratégia de crescimento do País. Com o cenário externo dando sinais de fim do período de bonança, é indispensável que o futuro governo e as empresas respondam a esse desafio com coragem e energia.

Rubens Barbosa, consultor, presidente do Conselho Superior de Comércio Exterior da Fiesp, foi embaixador do Brasil nos EUA e na Grã-Bretanha