Título: Corrida de obstáculos
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Fonte: O Estado de São Paulo, 27/06/2006, Notas e Informações, p. A3

Ministros de 25 a 30 países dos mais importantes no comércio internacional vão reunir-se em Genebra, nesta semana, para tentar, num esforço quase desesperado, abrir caminho para a conclusão, até o fim do ano, da maior negociação comercial da história, a Rodada Doha. Se tiverem êxito, ainda terão de convencer dezenas de outros governos a aceitar os acordos alinhavados, pois os membros da OMC são 149 e basta 1 voto contrário para impedir um acordo.

O primeiro desafio para os participantes da miniconferência ministerial será eliminar 749 pontos de divergência em relação ao comércio de produtos agropecuários. Sem isso, não poderão avançar na discussão do intercâmbio de produtos não agrícolas. Esse obstáculo foi reconhecido explicitamente pelo coordenador das negociações sobre acesso a mercados não agrícolas (Nama), o canadense Don Stephenson, na introdução ao texto preparado para discussão nesta semana. Segundo ele, tudo se passa como se a negociação sobre Nama estivesse integralmente posta entre colchetes, por depender do sucesso alcançado nas discussões sobre agropecuária.

Nos esboços de acordo ou de propostas para discussão, colchetes marcam os pontos de divergência. Podem ser detalhes simples: divergências na escolha de uma preposição ou de uma locução complexa. Mas há parágrafos inteiros isolados dessa forma e até expressões entre colchetes dentro de frases entre colchetes.

Além de enfrentar 748 pontos de diferença marcados dessa forma, os participantes da miniconferência ministerial terão de cuidar de um 749º desafio, resultante de mais uma exigência apresentada, na última hora, pelo embaixador americano na OMC, Peter Allgeier. Washington quer incluir no acordo uma cláusula de paz, isto é, de proteção para a manutenção de certos subsídios. Dispositivo desse tipo, com vigência por dez anos, foi incluído no acordo agrícola da Rodada Uruguai, concluída em 1994. Em vão os americanos tentaram prorrogar sua validade. Extinta a cláusula de paz, o Brasil pôde obter, na OMC, a condenação de subsídios ao algodão exportado pelos EUA.

Do ponto de vista do Brasil e de outros grandes exportadores agrícolas, como a Argentina, a Austrália e a Nova Zelândia, a mera proposta de uma nova cláusula de paz é inquietante, especialmente porque os americanos tentam manter, na Rodada Doha, certos subsídios potencialmente danosos à concorrência internacional.

A conservação de subsídios internos com potencial de baratear indiretamente as exportações americanas é um importante ponto de divergência entre EUA e União Européia. Os europeus só aceitam a eliminação completa de subvenções à exportação se os americanos desistirem de subsidiar indiretamente seu comércio exterior. Qualquer conversa sobre cláusula de paz, nessas circunstâncias, é inaceitável para os demais exportadores agrícolas. O Brasil apóia a União Européia nessa questão. Mas fica ao lado dos americanos, contra os europeus, na cobrança de maior redução de tarifas sobre importações agrícolas. Economias menos competitivas nesse setor também podem complicar as negociações, insistindo em proteção especial para certos produtos. Essa proteção iria além da lista de "produtos sensíveis" defendida principalmente pelos europeus.

Nenhum dos dois textos pre parados para discussão nos próximos dias - sobre acesso a mercados agrícolas e sobre Nama - propõe solução para as divergências. O principal objetivo de seus autores, o neozelandês Crawford Falconer e o canadense Don Stephenson, foi expor da maneira mais clara os desacordos. "Este não é um documento elegante", escreveu Crawford na apresentação de seu texto, "mas reflete a realidade do quadro onde estamos."

Sob a coordenação do diretor-geral da OMC, o francês Pascal Lamy, os principais negociadores têm exibido, no entanto, esperança de romper o impasse. O chanceler brasileiro, Celso Amorim, declarou-se "esperançoso", na semana passada, evitando apresentar-se como "otimista". A combinação de realismo e senso de urgência talvez possa produzir um bom resultado.