Título: Agricultura ameaçada
Autor:
Fonte: O Estado de São Paulo, 30/06/2006, Notas e Informações, p. A3

A renúncia do ministro da Agricultura, Roberto Rodrigues, priva o governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva de uma de suas últimas reservas de credibilidade. Todos os temores quanto ao futuro do setor são justificáveis, neste momento. Um duro esforço de modernização, realizado nos últimos 30 anos, converteu a agropecuária brasileira numa das mais eficientes e mais competitivas do mundo. Mais do que nunca, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva estará sujeito, a partir de agora, a pressões para renegar esse esforço e tomar o caminho do retrocesso.

Ao anunciar publicamente sua saída, o ministro afirmou haver concluído sua missão. Ele estava se esforçando para ser delicado. A decisão foi tomada depois de muitos conflitos, dificuldades e frustrações confessadas, sempre de forma reservada, em diversas ocasiões. Seu trabalho poderia ter sido mais frutífero. Seu êxito foi limitado por um governo incapaz de escolher, de forma conseqüente, entre modernidade e atraso.

Muito mais do que outros ministros da Agricultura, Roberto Rodrigues foi obrigado a gastar tempo e energia para enfrentar três tipos de obstáculos.

Em primeiro lugar, o Palácio do Planalto foi incapaz de fixar prioridades de ação. O presidente aceitou o custo político das metas fiscais de seu primeiro ministro da Fazenda, Antônio Palocci, e da política antiinflacionária do Banco Central. Isso garantiu a credibilidade financeira de seu governo. O presidente soube, além disso, capitalizar os benefícios políticos da exportação do sucesso internacional do agronegócio, mas não deu ao setor o apoio necessário nem diante dos estragos causados por dois anos de estiagem e de perda de renda. Foi negligente quando precisou intervir para dar sustentação aos preços e abandonou os produtores nos piores momentos. Não entendeu sequer a importância do controle sanitário, indispensável a quem pretende conquistar e manter a liderança internacional no mercado de carnes.

Em segundo lugar, Roberto Rodrigues foi o único ministro a resistir à tentativa petista de aparelhamento de toda a administração federal. Nem a Embrapa, um dos principais motores da modernização da agropecuária brasileira, foi poupada. O ministro gastou parte de seu capital político procurando evitar a invasão e tentando reconquistar o terreno, quando ocorria a ocupação. Com persistência, conseguiu manter o padrão profissional do seu ministério e dos organismos subordinados.

Em terceiro lugar, foi preciso enfrentar a guerra permanente contra o agronegócio. O presidente não apenas tolerou a campanha ininterrupta contra um dos setores mais eficientes e mais competitivos da economia brasileira. Deu seu apoio explícito às invasões de terra e à violência. Reuniu-se mais de uma vez com representantes do Movimento dos Sem-Terra e de suas dissidências. Recebeu em seu gabinete os invasores do Ministério da Fazenda. Deixou-se fotografar usando o boné desses movimentos. Permitiu a ocupação do Instituto Nacional da Reforma Agrária por pessoas vinculadas a esses grupos. Apoiou ministros empenhados em revogar a lei que proibiu a inspeção, para fins de reforma, de terras invadidas.

Em seu governo, todos esses grupos foram fartamente subsidiados. Receberam dinheiro do governo para tornar insegura a produção agrícola, enquanto os concorrentes da agropecuária brasileira, no mundo rico, eram subvencionados para ganhar competitividade.

Quem desconhece o assunto pode acreditar na oposição entre agricultura familiar e agronegócio. Mas a diferença relevante é entre a produção moderna e competitiva e a atividade ineficiente e atrasada. Há no Brasil uma agricultura familiar de classe internacional. É aquela vinculada ao sistema do agronegócio, voltada para o mercado e aberta à inovação.

O resto é impostura. Sem essa inovação, tanto na produção de grande escala quanto na atividade familiar, o custo dos alimentos não teria caído tanto quanto caiu nas últimas duas décadas, nem o País teria faturado tantos dólares. É isso que o governo põe em risco, ao favorecer as forças do atraso. Resta esperar que o sucessor de Rodrigues saiba resistir às pressões contra a modernidade, mesmo que seja um ex-presidente da Associação Brasileira da Reforma Agrária, como o secretário-executivo do Ministério, Luiz Carlos Guedes Pinto.