Título: Ceticismo ronda reunião na OMC
Autor: Denise Chrispim Marin
Fonte: O Estado de São Paulo, 30/06/2006, Economia & Negócios, p. B6

Na véspera da reunião considerada crucial para a Rodada Doha da Organização Mundial do Comércio (OMC), a União Européia indicou ontem que poderá aceitar o corte médio de 54% nas tarifas de importação de produtos agrícolas, proposto pelo Brasil e seus aliados , os países em desenvolvimento que integram o G-20. O gesto europeu foi respondido pelo ministro das Relações Exteriores, Celso Amorim, com o aceno do Brasil de uma abertura maior do setor industrial que, segundo fontes da diplomacia, poderia derrubar a tarifa máxima de importação aplicada sobre produtos industriais de 35% para 12,73%.

Os sinais emitidos não chegaram a alterar a nuvem de ceticismo que paira em Genebra, onde o grupo de ministros dos 30 países mais representativos da OMC, o chamado Green Room, discutirá hoje os termos dos pré-acordos sobre os capítulos agrícola e industrial da Rodada. Os debates poderão ser estendidos até segunda-feira.

Entretanto, já começam com a bola no campo dos Estados Unidos. Desse parceiro, o G-20 e a União Européia esperam uma nova proposta que reduza o total de subsídios concedidos aos agropecuaristas americanos de US$ 48 bilhões para cerca de US$ 12 bilhões por ano.

Ontem, depois de uma reunião com os ministros dos países membros da Comunidade Européia, o comissário de Comércio, Peter Mandelson, declarou que o bloco "está preparado para aumentar significativamente sua oferta, movendo-a na direção e para mais perto do G-20". A seu lado, a comissária de Agricultura, Mariann Fischer Boel, detalhou para a imprensa que o corte médio de tarifas na área agrícola poderá atingir a média de 54%, que consta da proposta do G-20. Isso significaria uma redução efetiva de 51% nos porcentuais aplicados pela União Européia.

Desde outubro, o bloco não arredava o pé da proposta de corte de 39% - enfaticamente rejeitado pelo Brasil, G-20 e EUA.

Mandelson e Mariann, entretanto, condicionaram essa nova oferta a uma proposta mais ambiciosa dos EUA. "Ofertas domésticas não serão suficientes", declarou a comissária de Agricultura.

O gesto europeu foi recebido com satisfação contida pelo G-20, sobretudo entre os negociadores brasileiros. Amorim alertou que o teor da proposta européia deve ser "checado", no que se refere à quantidade e ao tratamento a produtos sensíveis. Dependendo disso, itens relevantes para o Brasil podem continuar sob ampla proteção comercial. "A fórmula de corte de tarifas é apenas o primeiro passo", advertiu.

Mas o chanceler indicou que o Brasil poderá retribuir com uma maior abertura de seu mercado industrial, caso as ambições brasileiras no capítulo agrícola da Rodada Doha sejam "plenamente atendidas".

A proposta brasileira estaria longe dos 10,5% reivindicados pelos europeus e americanos. Mas, nesse ponto, Amorim vale-se dos compromissos já firmados pelos 149 membros da OMC sobre o caráter e os objetivos da Rodada. "Nós somos países em desenvolvimento. Esta é uma Rodada de Desenvolvimento. É logicamente errado e moralmente falso tentar reverter essa equação e colocar a responsabilidade pela liderança do processo sobre as economias em desenvolvimento."

Os lances feitos pela UE e o Brasil deslocaram as expectativas sobre o fracasso ou êxito das negociações deste final de semana sobre a delegação dos EUA. Amorim, por sua vez, deixou claro que espera de "outros países" a mesma convergência dos europeus à proposta do G-20, avaliada como um plano razoável de "aterrissagem" da Rodada Doha. Ou seja, o Brasil não arreda o pé da redução dos subsídios concedidos aos agropecuaristas americanos.

Amorim adiantou que a sugestão do diretor-geral da OMC, Pascal Lamy, de um corte para US$ 20 bilhões é inaceitável. "US$ 20 bilhões é ridículo. Não trabalhamos com isso", disparou. "Não estamos discutindo agricultura e outros temas há dez anos para chegar a um nível de subsídios que é o mesmo aplicado nos últimos dois anos (pelos Estados Unidos)."