Título: Fidel é operado e irmão assume poder
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Fonte: O Estado de São Paulo, 01/08/2006, Internacional, p. A17

O líder cubano, Fidel Castro, de 79 anos, sofreu uma crise intestinal com sangramento e foi submetido a uma complicada operação, informou ontem à noite a TV cubana, ao divulgar uma carta que teria sido escrita por ele para comunicar ter transmitido o poder, em caráter provisório, a seu irmão mais novo, Raúl Castro, de 75 anos.

A carta dá a entender que Fidel já passou pela cirurgia.

Ministro da Defesa e primeiro vice-presidente, Raúl é o nº 2 do regime e sucessor designado pela Constituição, em caso de ausência ou morte de Fidel. Ontem Raúl assumiu a presidência do Conselho Executivo do Estado, a Secretaria-Geral do Partido Comunista e o comando das Forças Armadas. Mas não apareceu em público.

Desde que assumiu o poder, em janeiro de 1959, é a primeira vez que Fidel transfere os cargos para outra pessoa. Ele completará 80 anos no dia 13 e é o segundo chefe de Estado há mais tempo no poder no mundo, só perdendo para a rainha Elizabeth, da Grã-Bretanha - que foi coroada em 1952, mas não exerce de fato o Poder Executivo. A saúde de Fidel passou a ser motivo de fortes especulações em 2001, quando ele desmaiou em público durante um discurso, e novamente em 2004, quando tropeçou e caiu após discursar, fraturando um joelho e um braço.

Na carta, lida por seu secretário, Carlos Valenciaga, Fidel afirma ter sofrido sangramento gastrointestinal, aparentemente causado por stress extremo em suas recentes aparições públicas na Argentina (onde participou da cúpula do Mercosul no dia 21 e discursou no frio por mais de três horas) e em Cuba (nos atos de quarta-feira pelo aniversário do assalto ao Quartel Moncada, início da Revolução Cubana). Essa foi a última vez em que foi visto em público.

"A operação me obriga a permanecer várias semanas afastado das minhas responsabilidades e cargos", afirmou ele na carta, segundo Valenciaga. Fidel também pediu o adiamento da celebração de seus 80 anos para 2 de dezembro, data da comemoração do 50 º aniversário do início da luta armada revolucionária. Mas manteve a realização da cúpula do Movimento dos Países Não-Alinhados para setembro, em Havana.

Ele pediu aos cubanos que se mantenham em guarda diante de qualquer possibilidade de manobra dos EUA - seu grande inimigo, situado a apenas 150 quilômetros de distância. "Não tenho a menor dúvida de que nosso povo lutará até a última gota de sangue para defender esta e outras idéias e medidas necessárias para proteger este processo histórico."

Durante as celebrações da semana passada em Cuba, Fidel declarou para 100 mil pessoas em um ato em Bayamo, leste do país, que os EUA não precisavam se assustar, pois não pensava em permanecer no poder até os 100 anos. Também disse que há cada vez mais cubanos centenários graças aos avanços sociais da revolução. "Mas não se assustem vizinhos do norte (EUA), pois não estou pensando em exercer funções nessa idade", disse, no discurso de duas horas e meia. Ele também afirmou que está no poder contra sua vontade. "Nunca lutei para isso. Mas lutarei, toda minha vida, até o último segundo enquanto tiver o uso da razão, para fazer algo bom, algo útil."

Na cúpula do Mercosul, em Córdoba, na Argentina, Fidel alertou os outros presidentes sobre o perigo externo que ameaça a união do bloco: "Esse foi um dos motivos pelos quais vim aqui."

A TV cubana informou que os outros cargos ocupados por Fidel serão preenchidos por membros do governo e do birô político do Partido Comunista. O vice-presidente do país, Carlos Lage, o presidente do Banco de Cuba, Francisco Soberón, e o chanceler Felipe Pérez Roque, se ocuparão da política energética e supervisionarão os fundos para a saúde, educação e energia, consideradas as três prioridades da revolução.

ESTADOS UNIDOS

Apenas algumas semanas atrás, um relatório de uma comissão americana pediu que o governo dê assistência a Cuba depois da morte de Fidel, para apoiar um governo de transição e ajudar a caminhar rumo à democracia. O estudo foi feito pela Comissão de Assistência para Libertar Cuba, grupo interdepartamental criado em 2003 e co-chefiado pela secretária de Estado, Condoleezza Rice, e o secretário do Comércio, Carlos Gutierrez, um cubano-americano.