Título: Refis eleitoral
Autor:
Fonte: O Estado de São Paulo, 05/07/2006, Notas e Informações, p. A3

Não pagar imposto virou ótima opção de investimento. O contribuinte não recolhe o imposto, aplica o dinheiro no mercado financeiro, recebe a remuneração oferecida pelas instituições e, algum tempo depois, se inscreve num programa de refinanciamento de débitos tributários a juros subsidiados e prazo a perder de vista. É essa a mensagem que o governo envia aos contribuintes com a edição da Medida Provisória nº 303, que institui mais um programa de parcelamento de débitos tributários e previdenciários.

O secretário da Receita Federal, Jorge Rachid, argumenta que a MP 303, assinada na sexta-feira passada, não desrespeita o contribuinte honesto e não tem relação com a eleição presidencial. Mas são indiscutíveis os objetivos eleitorais da medida e seus efeitos nocivos sobre os contribuintes que pagam em dia os impostos devidos.

Não há, e os funcionários da Receita sabem disso, nenhum argumento técnico que justifique o programa. Experiências recentes tiveram resultados pífios em termos de recuperação de tributos, beneficiaram sonegadores contumazes e geraram a expectativa de que novas moratórias viriam, como essa veio agora, o que estimulou a sonegação. Dos que aderiram ao Refis de 2000, 80% foram excluídos por inadimplência. Das pessoas jurídicas que aderiram ao segundo - de 2003, chamado Parcelamento Especial (Paes), mas conhecido como Refis 2 -, 53% foram excluídas pelo mesmo motivo; a exclusão atingiu 67% das pessoas físicas.

Mesmo assim, interessado apenas em votos, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva forçou a área técnica do governo a oferecer mais benefícios aos que, afrontando as regras tributárias, estão em débito com a Receita Federal, a Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional e o INSS.

A MP 303, ou Refis 3, foi publicada na edição extra do Diário Oficial da União que contém as "bondades" eleitorais para o funcionalismo público, que implicarão gastos adicionais de R$ 4,3 bilhões neste ano e de R$ 10,8 bilhões em 2007. É um conjunto de punições aos contribuintes honestos. Eles enfrentaram a concorrência desleal dos que, apesar de não terem recolhido os tributos na época devida, ganharam um benefício extra. E a conta dos gastos eleitorais com o funcionalismo será apresentada a esses mesmos contribuintes honestos - que começam a se sentir otários.

Há tempos, um grupo de empresários vinha tentando obter, no Congresso, a aprovação de um programa como o Refis 3. Com a ajuda de parlamentares, procurou incluí-lo em qualquer proposição de natureza tributária que tramitasse no Congresso. Conseguiu que ele fosse acrescentado ao projeto de conversão da MP que corrigiu a tabela do Imposto de Renda das Pessoas Físicas, e que foi aprovado.

Por recomendação do Ministério da Fazenda, o presidente Lula vetou essa parte do projeto. Mas, mais interessado na reeleição do que em justiça tributária ou equilíbrio das finanças públicas, determinou que a Receita Federal atendesse o pedido dos empresários.

O resultado é a MP 303. Débitos vencidos até 28 de fevereiro de 2003 poderão ser parcelados em até 130 meses. Até devedores excluídos do Refis 2 por falta de pagamento serão beneficiados. As parcelas serão corrigidas pela Taxa de Juros de Longo Prazo (TJLP), hoje em 7,5% ao ano, e não pela Selic aplicada aos demais tributos federais, e que está em 15,25% ao ano. As multas serão reduzidas em 50%. Para as dívidas vencidas depois de fevereiro de 2003 e até 31 de dezembro do ano passado, a MP amplia de 60 para 120 meses o prazo de pagamento. O total de dívidas que poderão ser refinanciadas chega a R$ 377 bilhões.

As regras são menos generosas para os devedores do que as aprovadas pelo Congresso e vetadas pelo presidente. Mas é grande o risco de a MP ser emendada no Congresso, para que sejam restabelecidas exatamente as condições que o presidente vetou.

É até possível que, no curto prazo, se registre algum aumento da arrecadação por conta desse novo programa de refinanciamento de débitos tributários. No longo prazo, porém, seu efeito é incentivar os contribuintes a não pagarem os impostos em dia, pois ele reforça a expectativa de que, mais dia, menos dia, novos benefícios virão para os inadimplentes.