Título: Governo investe menos do que divulga
Autor: Sérgio Gobetti
Fonte: O Estado de São Paulo, 05/07/2006, Nacional, p. A10

São exagerados os números de investimentos apresentados pela equipe econômica do governo Luiz Inácio Lula da Silva. Dados do Sistema Integrado de Administração Financeira (Siafi) levantados pelo Estado indicam que cerca de um quarto dos investimentos que o governo Lula diz ter executado até agora não ocorreram ou não foram pagos.

Desde o início de 2003, pela estatística oficial, os investimentos somam R$ 35,3 bilhões, pelo conceito de liquidação, mas apenas R$ 26,8 bilhões foram pagos até o fim de junho. No governo FHC também existiam discrepâncias, mas bem menores: 11%.

Entre os investimentos que o governo diz que fez mas não saíram do papel estão, por exemplo, as obras de transposição do Rio São Francisco, bloqueadas por ações na Justiça. Pela propaganda governamental, o governo já teria investido R$ 408,9 milhões no programa de integração da bacia do rio, mas o que foi efetivamente pago são R$ 116 milhões, pelos projetos iniciais de planejamento e engenharia.

A confusão é causada pela decisão da Secretaria do Tesouro Nacional de classificar automaticamente como "liquidado" todo gasto empenhado no fim do ano. O empenho corresponde a uma autorização inicial para contratar obra ou serviço, enquanto a liquidação, por lei, deve ser aplicada, só ao que é concluído. O Tesouro desconsidera essa regra.

Em entrevista anteontem, o próprio ministro da Fazenda, Guido Mantega, foi surpreendido pela sistemática do Tesouro. Ele achava que os números que estava divulgando eram de investimentos liquidados e concluídos, mas eram só empenhos.

No ano passado, por exemplo, o governo empenhou e "liquidou" R$ 17,3 bilhões para investimentos - mas pagou apenas R$ 5,9 bilhões. Em 2006, já foram pagos outros R$ 4,6 bilhões, somando R$ 10,5 bilhões - bem menos do que os números oficiais.

SEGUNDO MANDATO

No governo FHC, essas diferenças inexistiam até o segundo mandato, quando o Tesouro passou a adotar o novo procedimento. Entre 1999 e 2002, o investimento pretensamente realizado somou R$ 41,7 bilhões, mas o pago não passou de R$ 37,1 bilhões.

A discrepância entre os valores contábeis e reais tende a crescer no fim do ano se o governo cumprir a meta de empenhar R$ 19 bilhões para investimentos, anunciada por Mantega. Até 30 de junho, pelos dados parciais do Siafi, o governo já autorizara R$ 7,9 bilhões. O que foi efetivamente realizado, entretanto, não passa de R$ 668 milhões, e o que foi pago, de R$ 527 milhões.

A reportagem consultou os Ministérios da Fazenda e do Planejamento, mas suas assessorias pediram mais tempo para avaliar a questão. No início do ano, o Estado já havia apontado esse problema, quando o governo anunciou que tinha investido R$ 17,3 bilhões em 2005.

Além de serem usados politicamente pelo Planalto, esses números são repassados ao Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) para calcular a taxa de investimento do setor público. O Estado procurou em março o IBGE para saber se era adotada alguma medida corretiva das informações do Tesouro.

Recebeu a informação de que a contabilização dos investimentos segue convenção internacional que determina que sejam usados os valores liquidados. Quando os valores liquidados não correspondem exatamente ao conceito legal de liquidação, o instituto pode conversar com o tesouro, mas não tem como mudar a metodologia ou os dados.