Título: Petróleo a 100 dólares
Autor: Celso Ming
Fonte: O Estado de São Paulo, 05/07/2006, Economia & Negócios, p. B1

A indústria automobilística mundial deve se preparar para uma importante mudança no mercado de veículos: petróleo a US$ 100 por barril de 159 litros .

Quem está fazendo essa recomendação é o presidente mundial do Grupo Renault-Nissan, o brasileiro Carlos Ghosn. Foi, em síntese, o que ele disse em artigo publicado sábado no jornal parisiense Le Figaro.

Os preços do barril de petróleo já estão acima dos US$ 70. Ontem, em Londres (em Nova York foi feriado), o Brent, tipo de referência no mercado europeu, fechou a US$ 72 por barril. A Petrobrás anunciou ontem que está trabalhando com a hipótese de preços máximos de US$ 62 em 2006 e de US$ 56 para 2007, no piso do que vêm indicando os analistas.

Mas a marca dos US$ 100 é uma aposta cada vez mais insistente nas projeções dos especialistas. Há três anos, quando os preços oscilavam em torno dos US$ 30, esses mesmos diziam que poderiam alcançar a marca inimaginável dos US$ 50. Agora, o horizonte foi empurrado mais à frente: são esses US$ 100. Mas sabe-se lá até onde vai isso, especialmente diante da voracidade chinesa.

Há dez dias, as agências internacionais de informação revelaram que o governo chinês pretende usar parte de suas reservas internacionais para estocar petróleo. A idéia foi aplaudida no mercado financeiro porque dá uso à montanha de dólares (já perto de US$ 1 trilhão) além de sua aplicação em títulos do Tesouro americano. Seria uma pressão a menos sobre os juros de longo prazo, porque menor demanda de títulos ajudaria a reduzir sua remuneração.

Mas não dá para desconsiderar o impacto sobre o mercado de petróleo se a procura aumentar apenas em conseqüência da formação dos novos estoques chineses.

Ghosn não só entende que estão próximos os tempos do petróleo a US$ 100, como também aposta em que esse patamar virá para ficar. Se isso se confirmar, muita coisa mudará na economia mundial e não só no mercado de veículos. Os bancos centrais, por exemplo, quase certamente terão de puxar os juros para enfrentar mais inflação; os países importadores de petróleo, especialmente os Estados Unidos, sofrerão novo déficit no comércio e os grandes exportadores de energia terão sobras enormes para investir e gastar.

Os fabricantes mundiais ainda não verificaram uma correlação entre fortes aumentos dos combustíveis ao consumidor e volume de vendas. Mas isso parece inevitável. Serão rejeitados os carros beberrões e ganharão mercado os modelos mais eficientes, o que não significa redução da potência dos motores.

Essa perspectiva por si só deverá acelerar as pesquisas pela obtenção de motores a combustíveis alternativos. Mas há um enorme caminho a percorrer.

Ghosn reconhece que uma das soluções mais promissoras, o veículo a hidrogênio, só será viável se conseguir reduzir os custos de produção em mais de 90%. Por isso, o objetivo imediato será obter maior eficácia dos motores convencionais. E aí os combustíveis renováveis, o álcool e o biodiesel, ganham enorme espaço, não só para substituir o petróleo caro, mas também para responder a novas necessidades ambientais. De todo modo, saídas assim não podem depender só da iniciativa dos grupos econômicos. Requerem políticas que não podem mais restringir-se a alguns governos; têm de ser articuladas mundialmente, como começam a ser as macropolíticas ambientais.

O que Ghosn não chega a admitir é que o modelo atual baseado no transporte individual está ficando inviável. As cidades estão sendo paralisadas pelo tráfego de veículos que queimam cada vez mais energia. Se apenas um quarto das famílias chinesas conseguir seu carrinho, só lá haveria uma frota de mais de 100 milhões de veículos. Esse pobre planeta agüentaria o tranco?

O diabo é que muita gente fala sobre esses problemas, mas ninguém tem uma solução fácil para eles. Pior que tudo, as coisas se passam como se as pessoas fossem se acostumando com números cada vez mais espantosos e com problemas cuja solução não será indolor. Ou então, os tendem a ver apenas como novas formas de alarmismo.

É situação para a qual o mundo está despreparado. O transporte individual traz mais problemas que solução e o transporte coletivo quase não existe.