Título: Barram alívio à produção
Autor:
Fonte: O Estado de São Paulo, 22/09/2006, Notas e Informações, p. A3

Para muitos políticos, sejam governistas, oposicionistas e de quaisquer partidos, a coisa mais fácil é proferir diatribes e invectivas contra a pesadíssima carga tributária cabocla, que sufoca a produção, reduz a competitividade de nossos produtos no exterior e dificulta a sobrevivência dos que se incumbem de gerar riquezas e empregos no País - especialmente as empresas de menor porte. No entanto, quando deliberações têm que ser tomadas - sejam em níveis legislativo ou administrativo -, tendo em vista aliviar os produtores de qualquer item de obrigação tributária, um coro de resistência de administradores públicos, e respectivos aliados políticos, reverbera em uníssono contra as ¿perdas¿ que Estados e municípios ¿sofreriam¿, em razão de qualquer alívio concedido a contribuintes, como se estes entes públicos sempre vivessem na mais estrita austeridade, sem condições de cortar gastos que estariam sempre distantes da exorbitância.

Alarmante estimativa do Conselho Nacional de Política Fazendária (Confaz) - órgão que reúne os secretários de Fazenda dos Estados - causou o estardalhaço com que veículos estamparam manchetes, dando conta da ¿ameaça¿ de a Lei Kandir, a partir de janeiro, ¿tirar R$ 17 bilhões dos Estados¿, pelo simples motivo de entrar em vigor um pequeno alívio de ICMS, que já deveria existir desde o ano 2000 e foi adiado por três vezes. Trata-se de dispositivo que permitirá às empresas que produzem para exportar abater, do imposto a pagar, o valor do ICMS embutido no preço das mercadorias adquiridas para uso e consumo próprio, assim como nas contas de energia elétrica e de telefone. Atualmente, só geram crédito tributário de ICMS as aquisições de matérias-primas e insumos - ou aquilo que entra, diretamente, na composição do produto fabricado. O dispositivo em questão contempla, como compensação tributária, o imposto despendido em gastos normais de funcionamento da empresa, o que é mais do que lógico e justo - visto que sem tais gastos a empresa não pode produzir.

Bem é de ver que se o item de uma lei originalmente aprovada em fins de 1986, submetida à longa vacatio legis de seis anos (de 2000 a 2006), por algum motivo tivesse sido considerado nocivo à sociedade, que se o revogasse, de pronto. Mas em lugar disso, passou ele nas casas legislativas por uma espécie de processo de jus embromandi.

Primeiro se pretendia - sempre com base na preocupação pela ¿situação fiscal¿ dos Estados - adiá-lo para janeiro de 2017, conforme o previsto em projeto do senador Rodolpho Tourinho (PFL-BA). Depois o relator Waldir Raupp (PMDB-RO) apresentou substitutivo ¿antecipando¿ sua vigência para 2011 - o que já foi aprovado na Comissão de Assuntos Econômicos (CAE) mas falta ser aprovado no plenário do Senado, antes de ser enviado à Câmara dos Deputados.

Parece haver - da parte de governadores, prefeitos e parlamentares, em geral - a grande preocupação em saber se haverá tempo de o quarto adiamento da vigência do dispositivo compensatório da Lei Kandir impedir que os Estados e municípios ¿percam¿ arrecadação a partir do próximo ano. Gostaríamos de saber, no entanto, se também há no Congresso quem se preocupe com os empresários exportadores, muitos dos quais com dificuldades de sobrevivência, em face do câmbio supervalorizado, e que poderiam ter na compensação adicional de ICMS pago, no tocante a suas despesas gerais, algum ¿respiro¿ benéfico para sua atividade produtiva.

Os ilustres parlamentares deveriam entender que, se cabe preocupação quanto ao equilíbrio econômico-financeiro das entidades públicas, pelo menos igual cuidado deveria merecer o setor produtivo da sociedade, onde estão, justamente, os que mais se dedicam à geração de emprego e renda para as populações. Por outro lado, é um mau costume - para não dizer péssimo vício - o sistemático adiamento de medidas de ajustes em máquinas de administração pública, tendo em vista reduzir o peso que estas causam aos cidadãos contribuintes - pois, afinal de contas, é em função destes que aquelas existem, e não o contrário. Então, aquilo que é visto como ¿perda¿ (de arrecadação) os representantes do povo precisam encarar como ¿ganho¿ (em favor da poupança ou do investimento), pois só assim não barram o alívio à produção.