Título: EUA ameaçaram atacar Paquistão logo após 11/9, revela Musharraf
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Fonte: O Estado de São Paulo, 22/09/2006, Internacional, p. A18

Em declarações ao programa 60 Minutes que irá ao ar no domingo, pela rede de TV americana CBS, o presidente paquistanês, Pervez Musharraf, revelou que os EUA ameaçaram bombardear o Paquistão e fazê-lo voltar 'à Idade da Pedra', em 2001, caso seu governo não cooperasse com a guerra contra o terror. 'O diretor de inteligência (do Paquistão) me informou que ele (o ex-subsecretário de Estado Richard Armitage) disse: 'Estejam preparados para ser bombardeados. Estejam preparados para voltar à Idade da Pedra'', afirmou Musharraf na entrevista ao jornalista Steve Kroft. O presidente paquistanês participa da 61ª Assembléia-Geral da ONU, em Nova York.

Musharraf disse que a declaração de Armitage foi 'insultante', mas afirmou ter reagido à ameaça de modo responsável: 'Eu tinha de tomar as ações de interesse da nação, e foi isso que eu fiz.'

A divulgação de trechos do programa, ontem à tarde, ampliou o mal-estar desencadeado entre os dois países por uma entrevista dada pelo presidente americano, George W. Bush, à rede CNN, no dia anterior. Nela, Bush admitiu a possibilidade de enviar tropas ao Paquistão para capturar o terrorista Osama bin Laden, supostamente escondido no país. A declaração foi prontamente rebatida pelo governo paquistanês.

'Não permitiríamos isso. Nós faríamos isso (capturar Bin Laden) nós mesmos. Gostaríamos de fazer isso por nós mesmos', disse Musharraf.

Na entrevista à CNN, Bush respondeu com um taxativo 'absolutamente, sim' a uma pergunta do jornalista Wolf Blitzer, que perguntou se o presidente ordenaria o envio de tropas ao Paquistão se tivesse dados de inteligência assegurando que Bin Laden estava lá. 'Nós tomaríamos todas as ações necessárias para levá-lo à Justiça', completou Bush.

Tanto as declarações de Bush sobre o envio de tropas quanto a revelação das ameaças feitas em 2001 tocam em questões delicadas. O Paquistão de Musharraf é um aliado-chave da guerra contra o terror liderada pelos EUA e, logo após os atentados de 11 de Setembro, o governo paquistanês enfrentou dezenas de protestos de grupos radicais muçulmanos por causa da cooperação com os americanos.

EXIGÊNCIAS

Antes do 11 de Setembro, o Paquistão era um dos únicos países do mundo que mantinham relações diplomáticas com o regime do Taleban no Afeganistão, e a maioria dos paquistaneses simpatizava com o Estado islâmico vizinho.

Um encontro entre Armitage, o embaixador paquistanês e o chefe da inteligência militar do Paquistão, em 13 de setembro de 2001 - dois dias após os ataques - é confirmado por documentos apresentados à comissão americana independente que investigou as falhas de segurança que permitiram os atentados. Segundo a comissão, Washington apresentou uma série de exigências, prontamente atendidas pelo governo de Musharraf.

Entre essas demandas estavam a abertura do espaço aéreo do Paquistão para aviões militares americanos e a autorização para que agentes de inteligência dos EUA atuassem em território paquistanês - em preparação para os ataques contra o Afeganistão, cujo regime se recusava a entregar Bin Laden. Washington também exigiu o fim da cooperação entre o serviço de inteligência paquistanês e os Taleban.

Nas declarações à rede CBS, Musharraf disse que algumas das exigências americanas eram 'ridículas', como a insistência na supressão de todas as expressões de grupos paquistaneses de 'apoio ao terrorismo contra os EUA'. 'Se alguém expressa sua visão, não temos como impedi-lo de fazer isso', disse.

O governo Bush se recusou a fazer comentários sobre as declarações de Musharraf, sob a alegação de que se tratou de uma 'conversa informativa' entre representantes de dois governos. Musharraf deve se reunir com Bush hoje, na Casa Branca.