Título: Mudanças no crédito
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Fonte: O Estado de São Paulo, 31/07/2006, Notas e Informações, p. A3

O Banco Central (BC) estuda mudanças nas regras do crédito consignado, marcado até agora por grande expansão e pela competição acirrada entre instituições financeiras públicas e privadas, grandes e pequenas. É importante que as mudanças preservem esse ambiente competitivo e não contribuam para o aumento da concentração bancária.

Os bancos de pequeno porte foram afetados pela crise de liquidez que se seguiu à intervenção no Banco Santos, em novembro de 2004. Naquele episódio, o Banco Central reduziu os depósitos compulsórios dessas instituições, liberando cerca de R$ 7 bilhões, que ajudaram a equilibrar as caixas dos bancos e permitiram que quitassem os Certificados de Depósito Bancários (CDBs) emitidos.

Em parte, os recursos liberados do compulsório foram aplicados em operações de crédito consignado, destinadas a aposentados do INSS e a trabalhadores em geral com carteira assinada. Mas algumas instituições pequenas e médias estão se desfazendo daquelas carteiras, para melhorar seus balanços e indicar aos aplicadores em seus papéis que estão bem capitalizadas.

A preocupação do BC é assegurar que os balanços reflitam a situação real dos bancos. As autoridades estudam, por exemplo, a adoção de normas mais estritas de contabilização dos créditos transferidos entre os bancos.

O produto das transferências das carteiras - em geral, para grandes bancos - vinha sendo lançado, integralmente, como lucro pelas instituições. Elas, no entanto, continuam coobrigadas, ou seja, havendo inadimplência, respondem pela liquidação das operações, ainda que os créditos já tenham sido transferidos a terceiros. O BC pretende obrigar os vendedores a lançar apenas parte como lucro.

Aparentemente, é baixíssimo o risco representado pelos devedores do crédito consignado. Mas em algumas praças, como Belo Horizonte e Porto Alegre, o Judiciário tem dado ganho de causa aos aposentados que comprovam que não conseguem adquirir alimentos e remédios, e, ao mesmo tempo, pagar o que devem ao banco. Nesses casos, a autorização para débito em conta está sendo revogada pelo Judiciário e, com isso, a inadimplência começa a surgir em carteiras consideradas de altíssima segurança.

Os riscos não estão fielmente expostos nos balanços dos bancos, segundo o diretor-executivo da Fitch Ratings Brasil, Rafael Guedes, citado pelo jornal Valor.

As operações de crédito consignado são da ordem de R$ 40,4 bilhões, representando cerca da metade de todas as operações de crédito pessoal e cresceram 54,7% nos últimos 12 meses, até junho, segundo relatório do BC.

Os conglomerados dão franca preferência a essa modalidade, embora já não possam mais cobrar o que querem: a taxa de abertura de crédito (TAC) foi proibida e, agora, nas operações com os aposentados, os juros foram tabelados em no máximo 2,9% ao mês pelo INSS. Mas esta taxa máxima, que vem sendo aplicada pela maioria dos bancos (alguns, é verdade, anunciam juros menores), não seria suficiente para cobrir os custos de alguns bancos de pequeno porte. Muitos destes, na verdade, ainda têm estruturas antigas e onerosas, resultantes da transformação de companhias de crédito e financiamento (financeiras) em instituições bancárias.

O governo estuda, ainda, proposta do Banco do Brasil para permitir a chamada portabilidade de dívidas por crédito consignado. Ou seja, se o cliente de um banco encontrar outro banco que cobra juros menores, pode trocar prontamente de credor. Aparentemente, isto permitiria estimular a concorrência entre os bancos, como acontece nos Estados Unidos, nas operações de crédito imobiliário. O diretor de uma entidade representativa de bancos de porte pequeno e médio, a Associação Brasileira de Bancos, Renato Oliva, teme que as facilidades para trocar de banco sejam exageradas, podendo "ser muito negativas para a saúde do sistema financeiro". A idéia da portabilidade é boa, mas não pode ser adotada abruptamente, sem maiores estudos sobre o seu impacto sobre a concentração bancária.