Título: Ariano Suassuna, um agitador de massas
Autor: Paulo Moreira Leite
Fonte: O Estado de São Paulo, 31/07/2006, Nacional, p. A6

Aos 79 anos, o escritor Ariano Suassuna tornou-se um agitador de massas da campanha. No sábado foi até um colégio em Garanhuns (PE), para pedir votos para o presidente Lula e o ex-ministro Eduardo Campos, neto de Miguel Arraes, candidato ao governo. Suassuna contou anedotas divertidas, falou de cultura e política por uma hora e dez minutos. Foi embora aplaudido de pé.

Há uma semana, em Brasília Teimosa, quando Lula lançou a campanha da reeleição, pôs 20 mil pessoas para cantar um frevo. "Sempre gostei de política e sempre fui de esquerda", explica ele, filho de um deputado assassinado em 1930, quando tinha 3 anos de idade. "Mas não sou político nem tenho essa vocação. Então, ajudo quem acho que pode fazer bem para o Brasil." Ele diz que votou quatro vezes em Lula e vai votar mais uma vez "porque está ele sendo perseguido como Getúlio Vargas foi". Lembrando o suicídio de Getúlio, diz que Lula tem "a sabedoria popular e enfrenta essa situação".

O comando da campanha queria convencer Suassuna a disputar uma vaga no Senado. A oferta era pouco elegante, pois implicava jogar um escritor sem traquejo eleitoral para enfrentar o ex-governador Jarbas Vasconcelos (PMDB), tão popular que sua eleição para o Senado é considerada uma barbada. Suassuna aceitou ser primeiro suplente - e é nessa condição que faz campanha e vai aparecer até no horário político.

No sábado, ele fez uma versão eleitoral de sua "aula-espetáculo", que há alguns anos apresenta em cidades brasileiras, sempre que é convidado. O escritor tem um truque inicial: conta que a maioria dos palestrantes gosta de testar o microfone falando 1,2,3,4. "Mas eu prefiro fazer uma saudação: Viva o povo brasileiro!" A platéia responde ao apelo de braços erguidos e o espetáculo segue em frente. O assunto da palestra é o Brasil, encarado pela conhecida visão nacionalista do escritor.

Para ilustrar a falta de amor do "Brasil oficial" pelo "Brasil real", ele conta a história de uma avó que passava os dias a lamentar a chegada de Pedro Álvares Cabral às terras de Santa Cruz: "Ela falava: aquele amaldiçoado. Se não tivesse vindo aqui eu teria nascido na Europa." Ao especular sobre o futuro do País, diz: "Se a gente se portar à altura de nosso povo, ainda neste século o Brasil pode iluminar o mundo." E arremata: "O sonho é que puxa a gente. O bom senso manda a gente ficar em casa."

A palestra em Garanhuns reuniu estudantes, políticos e parte da elite desta cidade de clima frio, onde há restaurantes que oferecem fondue e vinho no inverno. Ali estava a mãe de um menino que sofre de distrofia muscular progressiva, doença ainda incurável - ela queria conversar com Eduardo Campos, responsável pela legislação sobre células-tronco. Também compareceu José Ferreira de Omena, três vezes prefeito de Altinho, 25 mil habitantes e 23 mil benefícios do Bolsa-Família, onde "Lula será vitorioso pela primeira vez".

Lula nasceu numa região de Garanhuns, Caetés, que hoje se tornou um município independente. Ele costuma ter votação monstro nos dois lugares, embora Garanhuns seja território adversário. Em Caetés, o PT fez o prefeito da cidade, hoje no PSB.

Suassuna tem biografia política especial. Até 1964 era adversário de Miguel Arraes, então governador de Pernambuco, e patrulhado pelo PCB, aliado do governador. "Eles me aplaudiam quando eu fazia críticas ao governo americano. Mas não perdoavam quando eu denunciava a perseguição aos dissidentes. Como Arraes era aliado deles, nunca pudemos nos aproximar." Décadas mais tarde, quando assumiu o governo de Pernambuco pela terceira vez, Arraes convidou Suassuna para ocupar a Secretaria da Cultura.

Ali ele comprou uma guerra com artistas de prestígio para dar prioridade à chamada cultura de raiz. Cortou verbas para nomes consagrados, investiu em rabequeiros, dançarinas e repentistas. Até que deu certo. Uma década depois, há um renascimento da cultura popular pernambucana - e é impossível deixar de reconhecer que o escritor tem um papel nessa história.

Como grande intelectual que é, Suassuna dá a impressão de viver num mundo fundado pelas próprias idéias. Tem uma obra tão rica e original que a realidade parece só ocorrer para confirmar o que está em seus livros.

Ao sair da palestra de Garanhuns, ele comparava Lula a João Grilo, do Auto da Compadecida, seu personagem mais famoso, dotado de uma astúcia capaz de enganar o Diabo e ser perdoado por Nossa Senhora. "Tentaram dizer que João Grilo era um herói sem caráter, como Macunaíma. Mas João Grilo tem a sabedoria popular", diz. "E Lula também deve alguma coisa ao Sancho, do Cervantes." Indagado se Sancho Pança não era um tipo ingênuo, simplório e meio abobado, Suassuna responde de braço erguido, pronto para a próxima palestra: "Ele precisa ser reavaliado." COLABOROU ANGELA LACERDA