Título: Para atingir meta de beneficiados, valor do Bolsa-Família caiu 19%
Autor: Luciana Nunes Leal e Lisandra Paraguassú,
Fonte: O Estado de São Paulo, 31/07/2006, Nacional, p. A8

Para que o governo atingisse a alardeada meta de 11,1 milhões de famílias beneficiadas pelo Bolsa-Família, o valor médio dos repasses caiu de R$ 75,43, em 2003, para R$ 61,02, neste ano. A queda de 19,10% no valor pago se explica pela inclusão de um grande número de famílias extremamente pobres no cadastro oficial do programa.

Com orçamento de R$ 8,3 bilhões em 2006, o Bolsa-Família é hoje o principal trunfo eleitoral do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, mas está numa encruzilhada: a enorme dificuldade de cobrar as contrapartidas das famílias beneficiadas e a busca de uma "porta de saída" para sair da tutela oficial.

O Bolsa-Família só cresceu: começou em outubro de 2003, com 3,6 milhões de famílias inscritas. O total de beneficiados saltou ano a ano: 6,5 milhões em 2004, 8,7 milhões em 2005 e os 11,1 milhões agora. O custo disparou dos R$ 3,5 bilhões iniciais para R$ 8,3 bilhões.

Quando se fala na busca de uma porta de saída, os próprios números do projeto expõem essa possível falha: após três anos, apenas 2 mil famílias (0,018% do total) abriram mão voluntariamente do benefício, por terem melhorado de vida e ultrapassado o limite máximo de renda de R$ 120 por pessoa. O Ministério do Desenvolvimento social excluiu mais 250 mil famílias que estavam acima do limite de renda máximo, mas não se descredenciaram.

COMPROMISSO

"A saída depende do compromisso de outros programas. Não acredito que o Bolsa-Família seja um desestímulo ao trabalho. As pessoas querem ser inseridas na sociedade", diz a socióloga Anna Peliano, especialista no estudo do combate à fome e à pobreza, diretora de Estudos Sociais do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), do Ministério do Planejamento.

Na avaliação da professora de Economia Lena Lavinas, da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), a saída do Bolsa-Família deve ser adiada. "As pessoas não sabem o dia de amanhã. Podem perder aquela renda extra (no caso de conseguirem uma nova fonte de renda) e vão ter de entrar na fila de novo."

Para a professora da UFRJ, o Bolsa-Família não é incentivo, mas "uma ajuda ao miserável". "Não temos uma política de combate permanente à pobreza. Se fosse, seria necessário ter uma meta: tantas pessoas terão que ter saído da linha da pobreza em tanto tempo."

ESCOLA

Outro grande desafio, ainda maior do que definir a porta de saída, é avançar no cumprimento das condições para que a família continue a receber o benefício, especialmente a permanência das crianças na escola.

"A questão agora é fazer com que as crianças entrem e permaneçam na escola até a oitava série. O acesso à escola é grande, mas a evasão é um problema sério. O cumprimento das condicionalidades é uma etapa do Bolsa-Família que não se pode dizer que foi superada. Ficou um pouco esquecido", diz Anna Peliano, que no governo Fernando Henrique coordenou o Comunidade Solidária.

Uma das condições para as famílias receberem o Bolsa-Família é que as crianças de 7 a 14 anos estejam na escola. No governo, a exigência é apontada como forma de pressão, mas não há suspensão do pagamento para quem descumpre a exigência. Tampouco há exigência de bom desempenho.

LIMITES

Outra questão polêmica é sobre metas e limites de famílias atendidas. Fixar um limite, seja ele qual for, é um erro, na avaliação da professora Lena. O programa, diz ela, deve funcionar como um direito e uma ajuda de custo para as famílias abaixo de determinada renda conseguirem manter os filhos na escola.

"Quando o governo diz que atingiu a meta de 11,1 milhões de famílias, está pressupondo que conseguiu atingir integralmente o público-alvo. Isso seria absolutamente surpreendente se de fato tivesse ocorrido. Em nenhum lugar acontece. Essa propaganda que está sendo feita é um engodo", critica.

A pesquisadora afirma que há dificuldade em encontrar famílias que vivem em pobreza extrema, em áreas distantes, que nem sequer se apresentam como candidatas ao benefício. "Há pessoas que recebem e não deveriam estar recebendo e, principalmente, pessoas que deveriam e não recebem. O Bolsa-Família não é um direito do cidadão, é uma fila que se organiza. Não significa que está chegando naquele que mais necessita, mas naqueles que se organizam", diz Lena.

"O programa é muito bem focalizado", defende a secretária de Renda e Cidadania do Ministério do Desenvolvimento Social (MDS), Rosani Cunha, responsável pelo Bolsa-Família.

"Mas nos preocupa dizer que todas as famílias pobres estão no programa: 11,1 milhões é uma estimativa. Precisamos ir atrás de pontos vulneráveis no cadastro, com auditorias, atualização cadastral. Tem que ser um movimento permanente", ressalva Rosani. Ela prevê: "A tendência é que o número de famílias diminua."