Título: Manifestantes furiosos invadem ONU em Beirute
Autor: Eduardo Salgado
Fonte: O Estado de São Paulo, 31/07/2006, Internacional, p. A11

Manifestantes invadiram ontem a sede das Nações Unidas em Beirute. Estavam todos furiosos com o ataque israelense em Qana, na região sul do Líbano, que matou mais de 50 civis, a maioria mulheres e crianças. Dentro do prédio, quebraram vidros e provocaram fogo, logo controlado.

Na hora da invasão, havia 80 funcionários das Nações Unidas no prédio, libaneses e estrangeiros. Nenhum ficou ferido. Os manifestantes conseguiram chegar ao segundo andar destruindo o que viam pela frente. Em seguida, tropas do Exército libanês chegaram, e os manifestantes se uniram aos que já estavam na praça em frente, a Riad al-Solh, na área central da cidade, onde dirigentes do Hezbollah pediam calma e faziam discursos com a ajuda de alto-falantes.

"A resistência é terrorismo? Está certo pedir o desarmamento da resistência? Viva o Hezbollah, viva o Hezbollah", gritava um dos representantes do grupo xiita após a invasão.

De acordo com um dos organizadores, um dos homens que carregavam rádios de comunicação e não quiseram dar seus nomes, o protesto de ontem foi o maior do Hezbollah em Beirute desde o começo da guerra, no dia 12. Pelos seus cálculos, havia 10 mil pessoas na praça, embora a maior parte das estimativas tenha ficado em torno de 5 mil.

Pelo menos dois carros foram atacados quando tentavam sair do prédio. O ministro do Interior libanês, Ahmed Fatfat, que se deslocou ao local depois de saber do tumulto, foi seguido por simpatizantes do Hezbollah na saída, mas seguranças evitaram a abordagem.

Em um comunicado, a ONU disse entender a raiva provocada pelo ataque em Qana, mas também ressaltou que "está preocupada com os atos destrutivos de um pequeno grupo de manifestantes". Ainda assim, não pretende mudar suas operações no Líbano.

Sob um calor de 32 graus na sombra, os manifestantes empunhavam bandeiras de várias cores. Estavam lá, além da do Hezbollah, as bandeiras da maior parte dos partidos que apóiam o movimento fundamentalista xiita: o grupo xiita moderado Amal, o pró-sírio Al- Kawmi, e o Movimento Patrótico Livre, o do general cristão Michel Aun.

Entre a multidão, dezenas de cartazes com a imagem do xeque Sayyed Hassan Nasrallah, o líder do Hezbollah, muitas bandeiras do Líbano e algumas palestinas.

"Se as Nações Unidas não servem para proteger civis inocentes, então servem para quê?", perguntou o bancário Hussein el-Khateeb.

Mona Taleb, dona de uma loja de material esportivo na cidade de Chahabia, no sul, que divide uma sala de dois cômodos com 12 parentes em Beirute, disse: "Eu beberia o sangue de Condoleezza Rice em um copo depois do que aconteceu em Qana."

Segundo a agência Associated Press, dois de seus cameramen foram feridos no empurra-empurra no prédio das Nações Unidas. Apesar disso, o clima entre os manifestantes e a imprensa era bom. Todos queriam expressar o seu apoio incondicional ao Hezbollah e à resistência contra as forças israelenses.

"Eu vim por causa das mortes das crianças", disse Mohi al-Mousawi, um carpinteiro de 21 anos, segurando uma bandeira verde do Amal.

"Quando será o próximo protesto?", repetiu, ao ser indagado, um dos homens que carregavam rádios de comunicação e não quiseram dar seus nomes. "Quando o partido decidir."

Em comparação com os últimos 11 dias, ontem foi aquele em que se viu a presença mais ostensiva das tropas do Exército libanês nas ruas de Beirute. Entre o centro e Antelias, no norte da região metropolitana, havia vários pontos de controle nos quais os carros não paravam, mas eram obrigados a reduzir a velocidade.

Além de soldados das tropas comuns, o contingente contava com membros dos grupos de elite. À noite, uma vigília com velas lembrou os mortos de Qana.