Título: Classe média gasta mais e não percebe deflação
Autor: Nilson Brandão Junior
Fonte: O Estado de São Paulo, 31/07/2006, Economia, p. B1
Novos gastos e a escalada dos serviços particulares sobrecarregam tanto o bolso da classe média que ela nem percebe direito que tem havido meses de deflação ou inflação baixíssima dos índices de preços. Um levantamento feito pela Fundação Getúlio Vargas (FGV), a pedido do Estado, mostra que em apenas três anos o peso de 15 itens de consumo avançou de 17% para 21% no bolso da população em geral, taxa que chega a 25% no caso da classe média.
Este grupo de produtos inclui itens que não eram pesquisados (alimentos diet/light, telefone celular e DVD) e outros cujo consumo cresce bastante (alimentação fora, mensalidade de internet, TV por assinatura e serviços pessoais). A comparação foi feita entre as Pesquisas de Orçamento Familiar (POF) de 1999/2000 e 2002/2003. Numa família de classe média com renda de R$ 7 mil, esses gastos somam R$ 1.750,00 ao mês (ver quadro).
Com mais gastos considerados inadiáveis, aumentou a pressão sobre o orçamento e a sensação de que não se ganha o suficiente para comprar o desejado. O coordenador de análises econômicas da FGV, Salomão Quadros, diz que desde o início do Plano Real houve diversificação da oferta de produtos.
O processo prossegue até hoje, com novos itens, como os iPods, e expansão de consumo, via crédito. Mas não é apenas isso. Segundo Quadros, a cesta de consumo de famílias de classe média é diferente da cesta das classes de renda mais baixa. Enquanto famílias de maior rendimento gastam mais com serviços privados e produtos sofisticados, as demais têm peso relativamente mais forte em alimentação e outras necessidades básicas, como vestuário e transporte. Assim, tendem a perceber mais a queda que vem ocorrendo no preço dos alimentos.
O levantamento da FGV indica diferenças. O peso dos gastos com TV por assinatura cresceu de 0,05% para 0,58% na população em geral, mas chega a 1,87% na faixa da classe média. Com base na última POF, os mais endinheirados gastam 5,49% do orçamento em gasolina, 1,12% em serviços de cuidados pessoais e 0,48% em cursos de idiomas. Já os mais pobres destinam bem menos para esses itens, respectivamente 3,32%, 0,83% e 0,28%.
Para a conta da população em geral, o trabalho levou em conta a abrangência do IPC da FGV, de 1 a 33 salários mínimos (até R$ 11.550,00). Esta faixa representa 90,7% dos domicílios das capitais. A estimativa para a classe média considerou a faixa de 18 a 25 salários mínimos (de R$ 6.300,00 a R$ 8.750,00), equivalente a quase 10% da cobertura do IPC. Não foram produzidos dados para esta faixa salarial na POF anterior.
Como os preços dos serviços privados têm subido acima da inflação, as variações afetam o bolso da classe média, que sentem menos as deflações recentes de alimentos. Enquanto o IPC da FGV subiu 0,62% no primeiro semestre, esses serviços, que representam quase metade do índice, avançaram 2,56%. Os planos de saúde ficaram 6,56% mais caros; academias de ginástica, 3,78%; e oficinas mecânicas, 3,86%. Alimentos caíram 3,22%.
Obviamente, os preços de alimentos também caíram para os mais ricos, que também comem trigo e derivados (-3,33%), carnes bovinas (-7,41%) e frango (-10,98%). Mas os serviços têm maior peso relativo nesses gastos e a percepção é de encarecimento. "Os serviços privados estão em maior proporção nas classes de renda mais alta. Os alimentos são a principal motivação para segurar os preços na baixa renda", diz Salomão.
O especialista em inflação do Instituto de Economia da UFRJ, Carlos Thadeu de Freitas Filho, alerta ainda que "há uma clara mudança de padrão de consumo entre 2004 e 2006", após as pesquisas de orçamento do IBGE e da FGV, por exemplo. Segundo ele,nos últimos dois anos tem sido forte a expansão do crédito, que elevou as compras de bens duráveis.
As vendas desses produtos (exceto automóveis), que acumularam queda de 2,75% entre 2001 e 2003, subiram 59,06% de 2004 a 2006, estimado com base no resultado de janeiro a maio deste ano. Já o avanço dos automóveis foi de 24,13%. De maneira simplificada, ele diz que o consumo vem migrando para bens duráveis e serviços. Nesse sentido, ele avalia que a nova ponderação do IPCA do IBGE, prevista para agosto, nasce com alguma defasagem.
As ponderações do IPCA foram recalculadas com base na POF do instituto, também de 2002/2003, e serão usadas a partir do indicador de agosto. "As ponderações são aplicadas nos cálculos dos índices para determinar a importância relativa dos movimentos de preços dos diversos bens e serviços consumidos." Segundo o IBGE, "surgiram novos gastos em função da modernidade", mas em alguns casos, como televisões de alta tecnologia, houve queda de preços. De acordo com o instituto, itens novos de consumo já são pesquisados.
"Um exemplo é o celular, que vem sendo pesquisado e agora passa a ter peso bem maior", diz a coordenadora de Índices de Preços do IBGE, Eulina Nunes dos Santos. Ela também informa que o instituto fará nova POF em 2007. O técnico do IBGE, Edilson Nascimento, diz que a nova pesquisa ajudará a dimensionar aspectos que influenciaram o consumo nos últimos anos, como juros e crédito.