Título: Tendência insustentável
Autor: Ribamar Oliveira
Fonte: O Estado de São Paulo, 31/07/2006, Economia, p. B2

A política fiscal executada pelo governo este ano é muito semelhante à de 2004. O padrão é o mesmo, até no que se refere ao superávit primário. A situação atípica ocorreu em 2005, quando o Banco Central definiu uma política de elevação da taxa de juros e o governo foi obrigado a aumentar substancialmente o superávit primário - que chegou a 4,84% do PIB. Com a redução dos juros pelo BC, é razoável que o superávit seja reduzido, pois a situação voltou à "normalidade".

O gráfico abaixo mostra o que está acontecendo na área fiscal. No período de 12 meses terminado em junho deste ano, o superávit primário do setor público correspondeu a 4,51% do PIB. É praticamente o mesmo resultado do acumulado em 12 meses até junho de 2004 (4,53% do PIB). Em 2005, para responder ao choque dos juros, o superávit no mesmo período foi elevado para 5,12% do PIB.

A trajetória da dívida líquida do setor público em proporção do PIB indica que não há necessidade, este ano, de um superávit maior do que os 4,25% do PIB, previsto na Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO), mesmo com o efeito desfavorável da troca de títulos indexados à Selic (veja a nota abaixo). A dívida líquida, que correspondia a 51,5% do PIB em dezembro de 2005, caiu para 50,3% do PIB em junho último - o melhor resultado desde abril de 2001. A previsão do Banco Central é de que ela poderá ficar abaixo de 50% do PIB em algum momento deste ano, mas terminará 2006 em 50,3% do PIB.

A Selic (taxa básica de juros da economia) já caiu 5 pontos porcentuais, desde setembro de 2005. O Banco Central estima que para cada ponto porcentual de queda dos juros, a dívida líquida é reduzida em 0,27% do PIB. Assim, se os juros se mantiverem em queda nos próximos 12 meses, é muito provável que a dívida líquida esteja em torno de 49% do PIB em dezembro de 2007. Talvez um pouco abaixo desse patamar.

Portanto, a redução do superávit primário este ano, em comparação com 2005, não é o problema. A vulnerabilidade da política fiscal brasileira reside no fato de que as despesas estão crescendo em ritmo mais elevado do que o PIB. No primeiro semestre deste ano, as despesas do Tesouro Nacional cresceram 14%, contra um aumento nominal do PIB de apenas 7,8%. Essa tendência não é sustentável porque a sociedade brasileira não aceita mais o aumento da carga tributária. Existe também uma unanimidade, entre os economistas e políticos, de que os investimentos públicos em infra-estruturas precisam aumentar.

Para não elevar a carga tributária e para aumentar os investimentos, as outras despesas do governo precisam crescer menos. Ou seja, o governo precisa controlar os seus gastos correntes. A trajetória dos gastos em 2006 está na direção contrária ao que é razoável. Essa trajetória dos gastos não é sustentável nos próximos anos e o novo presidente da República terá que mudá-la.

O CUSTO DA TROCA DE PAPÉIS

O Banco Central reduziu a taxa básica de juros da economia (a Selic) em 5 pontos porcentuais de setembro de 2005 até agora. A expectativa de todos era de que a queda da taxa implicaria em menor pagamento de juros das dívidas públicas este ano, o que ajudaria na redução do déficit nominal. Mas não foi o que aconteceu até junho.

A despesa com o pagamento de juros no período de 12 meses terminado em junho último, apurada pelo Banco Central pelo critério de competência correspondeu a 7,90% do Produto Interno Bruto (PIB). Esta foi, surpreendentemente, a mesma despesa registrada no mesmo espaço de tempo terminado em junho de 2005, época em que a política monetária do BC era muito rigorosa.

O paradoxo é apenas aparente. A explicação para o fenômeno foi a mudança na composição do endividamento do Tesouro Nacional. Em setembro de 2005, quando o BC começou a reduzir os juros, os papéis pós-fixados indexados à taxa Selic correspondiam a 55,2% do total da dívida pública mobiliária federal interna. Ao final de junho deste ano, a participação dos papéis selicados tinha caído para 42,4% do total.

O Tesouro Nacional foi substituindo os papéis selicados por outros títulos indexados a índices de preços ou por títulos prefixados. Como a Selic estava em queda e como o Banco Central dava sinais inequívocos de que essa política continuaria nos meses seguintes, o Tesouro Nacional terminou trocando papéis baratos (os selicados) por papéis mais caros (indexados a índices de preços ou prefixados).

Por essa razão principal, a despesa com juros do Tesouro não caiu na esteira da queda da Selic. Não se conhece estudo técnico que procure dimensionar o custo dessa troca de papéis. Mas é evidente que houve um custo considerável para os cofres públicos. Os analistas de mercado estimam que, até o final deste ano, a situação vai melhorar um pouco. O mercado projeta que o pagamento de juros ficará, de janeiro a dezembro deste ano, em 7,6% do PIB, contra 8,11% do PIB em 2005 - uma economia de apenas 0,5% do PIB.