Título: Inovar para sustentar o crescimento
Autor: Glauco Arbix e João Alberto De Negri
Fonte: O Estado de São Paulo, 31/07/2006, Economia, p. B2

A preocupação com a competitividade da economia está intimamente ligada à possibilidade de o Brasil gerar mais empregos e exibir taxas de crescimento do produto interno bruto (PIB) e da renda do trabalho e do capital mais robustas. E a experiência internacional insiste em nos mostrar que todos os países que lograram transitar para níveis mais altos de renda e desenvolvimento migraram em direção a uma pauta de exportações intensiva em conhecimento e de maior valor agregado.

Por isso mesmo, uma política industrial efetivamente moderna reconhece que o Brasil depende da ampliação do esforço tecnológico doméstico para melhorar sua inserção em mercados intensivos em conhecimento.

Pesquisas recentes mostraram empiricamente que a inovação tecnológica e o esforço empresarial nessa direção conseguem interferir positivamente nas exportações brasileiras. Apesar de inúmeros sinais nessa direção, a começar pelo anúncio do governo federal da Política Industrial, Tecnológica e de Comércio Exterior, essa realidade está longe de ter sido incorporada pelos formuladores de políticas públicas e pelo mundo empresarial.

Mais que uma palavra da moda, os processos de inovação se constituem em requisitos fundamentais para o necessário salto de qualidade da produção brasileira. Por quê? O acompanhamento pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) dos indicadores de crescimento e das características de 15.694 empresas industriais brasileiras entre 1997 e 2003 revelou pelo menos quatro resultados esclarecedores: 1) No período recente cresceram as empresas mais produtivas; 2) cresceram as empresas que mais inovaram e exportaram; 3) cresceu quem emprega mão-de-obra com maior qualificação - a escolaridade da mão-de-obra ocupada é uma variável relevante na análise da estratégia competitiva das firmas; 4) as empresas que mais cresceram foram as que se esforçaram mais para inovar e investiram mais em inovação.

Foi por conta da forte associação entre crescimento das empresas e exportação, inovação, escolaridade da mão-de-obra e esforço inovativo que esses estudos recomendaram a intensificação do esforço de inovação e a concentração do investimento nas atividades intensivas em conhecimento.

Isso equivale a dizer que as imensas possibilidades abertas pela definição da política industrial somente se tornarão realidade se for mantido o foco no reforço das estratégias empresariais baseadas em inovação e diferenciação de produto. Para tanto os programas voltados para impulsionar o investimento das empresas em atividades de pesquisa e desenvolvimento (P&D) se tornam cada vez mais essenciais.

Apesar do salto exibido por muitas empresas e setores brasileiros, apenas cerca de 30% de nossas empresas são inovadoras. Nos países da União Européia, em média, essa cifra representa 50%. Entre 2000 e 2003 houve redução dos investimentos em P&D das empresas brasileiras de 0,75% para 0,6% do faturamento. Na Alemanha, este porcentual é de 2,7% e, na França, de 2,5%. Em 2000 cerca de 7 mil empresas brasileiras realizaram gastos com P&D. Em 2003 esse número caiu para 5 mil. Apenas 2,8% das empresas industriais brasileiras fizeram alguma inovação de produto para o mercado em 2003, em comparação com 4,2% em 2000. E, das 28.036 empresas inovadoras, apenas 177 inovaram para o mercado internacional (0,6 %).

Um dos problemas centrais da pouca capacidade de inovação das empresas brasileiras e da baixa intensidade de conhecimento envolvido na inovação tecnológica no Brasil é que não há mecanismos de apoio nem linhas de financiamento adequados à P&D.

Menos de 19% das empresas inovadoras usaram algum apoio do governo em suas atividades inovativas e menos de 10% das empresas utilizaram fundos públicos para financiar P&D. Mais de 90% dos gastos das empresas industriais com P&D são recursos próprios ou de fontes privadas.

Neste sentido, é fundamental buscar o aumento da eficiência e da qualidade do gasto público com P&D e concentrar os recursos disponíveis num único grande programa capaz de facilitar e viabilizar as ações das empresas brasileiras nessa direção. Dessa forma, a proposta de se dotar a política industrial de um programa de financiamento a P&D de porte e de longa duração permitiria a definição de metas claras para a nossa indústria, como 1) aumentar os investimentos das empresas em P&D como porcentual do faturamento de 0,6% para 1,5%, em oito anos (P&D interno e compra de P&D externo); 2) dobrar o número de graduados e pós-graduados ocupados em P&D nas empresas, em oito anos.

O programa do BNDES definido recentemente e orientado para a inovação nas empresas significou um passo nessa direção. Insuficiente, porém, uma vez que o custo do financiamento ainda é alto e as dificuldades de liberação dos empréstimos continuam grandes. No mesmo sentido foi o decreto do governo federal (nº 5.798) voltado para definir os incentivos fiscais para empresas inovadoras que se disponham a contratar pessoal qualificado para P&D. Essa regulamentação foi apenas parcial, pois ainda deixou em aberto a definição clara dos mecanismos de liberação dos incentivos e, o mais importante, de suas fontes orçamentárias.

A definição de um foco claro para a política industrial e a priorização das atividades de financiamento e de incentivo à P&D com maior impacto econômico e potencial comercial é condição-chave para estimular a interação com o sistema universitário e centros de pesquisa nacionais, assim como para concretizar a busca de cooperação técnico-científica com firmas ou organizações internacionais que se traduzam em inovações de propriedade de firmas residentes no País.

A criação de um sistema de prêmios e incentivos para as empresas, instituições e pesquisadores inovadores é essencial para se disseminar no País a contracultura da inovação, avessa ao protecionismo vulgar, às reservas de mercado e à acomodação tanto empresarial quanto acadêmica. Os avanços regulatórios dos últimos anos, a começar pela aprovação da Lei de Inovação, não deixam lugar para o pessimismo. Mas a lentidão com que se processa a regulamentação e a definição dos dispositivos que lhe dão praticidade sempre soa como sinal de alerta, lembrando-nos de que as oportunidades, em geral, não correm atrás do Brasil. Muito ao contrário.