Título: Preço de industrializados sobe e pode pressionar índice de inflação
Autor: Marcelo Rehder
Fonte: O Estado de São Paulo, 31/07/2006, Economia, p. B6

Decisivos para a estabilidade e até queda da inflação nos últimos meses, os preços dos produtos industrializados já dão sinais de reação. Estudo da LCA Consultores indica que os preços desses produtos no mercado atacadista apresentaram alta de 0,33% no mês passado, interrompendo uma série de variações negativas iniciada em novembro. A conta considera a série móvel do índice em 12 meses. Mantido esse ritmo, na avaliação da consultoria, os industrializados deixarão de contribuir para o controle da inflação nos próximos meses.

"A mudança da rota tem a ver com o esgotamento dos efeitos da valorização do câmbio sobre os preços", diz o economista da LCA, Raphael Castro, responsável pelo estudo. O economista explica que o real vinha se valorizando frente ao dólar desde o final do ano passado, reduzindo o preço local dos insumos importados e dos produtos acabados trazidos do exterior.

Mas a partir de março a cotação do dólar ficou estabilizada ao redor de R$ 2,2. Ao mesmo tempo, teve início uma escalada dos preços internacionais das commodities não agrícolas, como o cobre e ferro, que acelerou a tendência de recuperação dos preços dos produtos industrializados no atacado.

"O fundo do poço ninguém sabe onde está", afirma o empresário Paulo Francini, diretor do Departamento de Pesquisas e Estudos Econômicos da Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp). "De repente, quando se pensa que já bateu no fundo ainda faltam alguns metros".

Para Francini, trata-se de uma situação adversa que leva à redução da rentabilidade e da capacidade de investimento das empresas. "Isso derruba o índice da alegria e contribui para a desaceleração da atividade industrial como um todo".

Um dos principais especialistas em inflação no País, o economista Heron do Carmo, presidente do Conselho Regional de Economia de São Paulo, diz que uma eventual valorização do dólar, da cotação atual de R$ 2,2 para R$ 2,7, teria impacto mínimo na inflação. "A situação de preços lá fora tem muito mais impacto na inflação que o câmbio".

Nesse sentido, há consenso no mercado de que o pacote de medidas que alterou as regras do mercado cambial brasileiro deverá ter impacto reduzido sobre a taxa de câmbio por pelo menos um ano e meio. Para a LCA, continuarão a ser importantes as atuações do Banco Central (BC) no mercado para conter a tendência de valorização do real frente ao dólar. Na avaliação da consultoria, caso o BC não tivesse atuado no mercado nos últimos meses, a cotação do dólar já estaria abaixo de R$ 2.

O estudo da LCA analisou as variações acumuladas em 12 meses dos preços industriais no atacado e no varejo, comparados com os 12 meses anteriores. A consultoria usou dados do Índice de Preços por Atacado (IPA-Industrial), da Fundação Getúlio Vargas (FGV), e do Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA), do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). No atacado, não foram considerados os preços de combustíveis e lubrificantes, produtos alimentares, extrativa mineral e produtos farmacêuticos. No caso do varejo, foram incluídos só bens industriais, desconsiderando os grupos de preços administrados, serviços e alimentação.

TENDÊNCIA

Na avaliação do responsável pelo trabalho, a redução de preços que levou a seqüência de sete períodos de deflação no atacado (ver tabela) foi repassada em menor magnitude nos preços ao consumidor. Nos últimos 12 meses, os preços no atacado tiveram variação positiva de 0,33%, enquanto no varejo a variação foi de 2,91%. Apesar disso, a tendência de curto prazo é de queda no varejo e de alta no atacado. "Mas o fim da deflação no atacado indica que a desaceleração dos preços ao consumidor deve perder fôlego", diz Castro.

Além do efeito dos preços, a valorização do câmbio leva à substituição de produtos nacionais por produção importada, observa Francini. "Percebe-se claramente que setores que apresentam variação da produção negativa, em geral, apresentam forte crescimento das importações". Ele cita como exemplo a indústria de artigos do vestuário. Enquanto a produção física de janeiro a maio caiu 6,1% em relação a igual período do ano passado, as importações deram um salto de 50,7%. Nos últimos 12 meses, o preço médio do setor no atacado registrou queda de 1,82% em relação ao período anterior.

"Em setores onde os insumos não são dolarizados, a redução de preços é absolutamente defensiva contra os importados. No caso de uma empresa de eletroeletrônicos que traz seu produto pronto da China, a valorização do câmbio significa custo menores em reais", diz Francini.