Título: O Brasil de Lula no mundo da Lua
Autor: Roberto Macedo
Fonte: O Estado de São Paulo, 03/08/2006, Espaço Aberto, p. A2

É notória a incontinência verbal do presidente Lula, mas ele se excedeu na entrevista que concedeu à Rádio CBN, na quinta-feira da semana passada, objeto de reportagem deste jornal no dia seguinte. Segundo a matéria, sem responder objetivamente ao entrevistador, o jornalista Heródoto Barbeiro, Lula pintou um quadro cor-de-rosa do País. Mesmo descontando excessos por conta da campanha eleitoral, carregou tanto nas tintas que o resultado foi um enorme borrão, entremeado de caroços, pois não teve o cuidado de lixar bem a superfície onde pintou.

O maior foi o de que o "o momento é o mais positivo na história econômica do Brasil". Ora, por várias décadas no século passado o Brasil foi um campeão de crescimento, e houve períodos em que o nosso produto interno bruto (PIB) chegou a crescer perto de 10% ao ano, como a China de hoje. Como Lula não conseguiu mexer com os pauzinhos do crescimento, permanecemos travados em torno de 3,5% ao ano, na rabeira dos chamados países emergentes.

Lula soltou essa avaliando que o Brasil pode crescer 6% ao ano, mas, segundo a matéria, se trata de estimativa que o Ministério da Fazenda prevê ser alcançada só em... 2010! E olhe lá, pois, se continuarmos na toada atual, nem isso. Em particular, é assustador esse diagnóstico lulista do ponto em que estamos, e de sua atitude na entrevista, ao desprezar ou deixar de lado problemas que, sem solução ou alívio, farão o crescimento econômico nacional continuar medíocre. Não que essa mediocridade tenha surgido no seu governo, pois ela já caminha para sua terceira década. Mas, certamente, não chegaremos a lugar algum se sucessivos governos, como o atual - que nos ameaça com sua reeleição -, pouco ou nada fizerem para recuperar os caminhos de um crescimento realmente satisfatório.

No diagnóstico, além do tal "momento positivo", Lula vê o Brasil em "total estabilidade econômica". Sem querer, pois em contradição com o que afirmou sobre o momento, aí tangenciou a realidade, pois estabilidade não é sintoma de saúde. Muitos doentes, desnutridos e acidentados ficam estavelmente em más condições por muito tempo. Este é o diagnóstico da realidade econômica nacional, o de um paciente crônico e carente de cuidados para os seus males. Quanto aos inócuos cuidados que efetivamente recebe de seu principal governante, o que se pode dizer é: haja paciência! Ainda mais com esse trombetear em que o insucesso e a inação são alardeados como maravilhas.

Vários foram os problemas cuja gravidade o entrevistado minimizou. Assim, a dívida pública, que já alcança R$1 trilhão, é vista como "tranqüila". Só se for para um mau devedor. Que tranqüilidade é essa de uma dívida desse tamanho num país onde a taxa básica de juros é de 14,75% ao ano, a qual leva o Brasil à posição de campeão mundial de juros, em que vence disputa avaliada pelo mérito às avessas?

Para o presidente, a reforma tributária já foi feita, tampouco é preciso fazer a da Previdência, e a meta do superávit fiscal será mantida, pois seu governo promoveu "uma grande revolução macroeconômica", colocada como um dos eixos de sua campanha eleitoral. Ora, sua política macroeconômica não foi nem revolução, nem evolução, nem solução. Na realidade, manteve a asfixiante expansão da carga tributária e gastou mal o que mais arrecadou, ao expandir fortemente as despesas de custeio e sacrificar investimentos que efetivamente poderiam contribuir para um maior crescimento econômico.

E mais: seu superávit primário não representa, como alardeia o governo, esforço e austeridade na área fiscal. Quem se esforça mesmo é o contribuinte, que arca com uma carga tributária cada vez maior e ainda vê o governo federal a torrar irresponsavelmente o dinheiro que arrecada.

Paradoxalmente, o governo federal atual insiste em fazer comparações com o anterior, de Fernando Henrique Cardoso, numa atitude que cabe no ditado "nada como o governo como a oposição no governo". O que Lula de fato fez com sua "revolução macroeconômica" foi dar continuidade à política de FHC nessa área, em particular aos seus piores traços, como a expansão da carga tributária, os juros elevados e o câmbio valorizado.

No quadro róseo que borrou, mais uma de enrubescer quem percebesse a própria falseta: ao realçar uma declarada tranqüilidade econômica, disse que, quando os EUA espirravam, "nós" pegávamos pneumonia, tamanha a dependência econômica daquele país. "Hoje, (eles) espirram e nós falamos: Saúde."

Ora, ainda recentemente, mais precisamente em maio, na esteira de simples coceira no nariz por parte de Ben Bernanke, presidente do banco central americano, quando numa entrevista deu a entender que os juros no seu país poderiam crescer ainda mais, veio uma crise de volatilidade nos mercados financeiros mundiais. Aqui a Bolsa caiu e o dólar subiu. Investidores estrangeiros em "tranqüilos" títulos da dívida brasileira ficaram receosos de continuar com eles, pressionaram e o Tesouro Nacional realizou às pressas um leilão de recompra de papéis, para "fortalecer" o mercado desses títulos. Queira ou não o nosso presidente, é bom atentar para o que se passa na maior e mais influente economia de um mundo globalizado.

Só faltou, no espelho onde se mirou e auto-elogiou, parafrasear trecho de música da banda Biquíni Cavadão: "Quando os astronautas foram à Lua/ Que coincidência, eu também estava lá." Alheio, seriamente ou não, a muito do que efetivamente se passa ao seu redor, ela é o seu mundo.