Título: Confirmação de Raúl é um ensaio para a transição
Autor: Karen De Young e Manuel Roig-Franzia
Fonte: O Estado de São Paulo, 03/08/2006, Internacional, p. A19

A indicação pelo líder cubano Fidel Castro de seu irmão Raúl para assumir temporariamente a presidência de Cuba e a chefia do Partido Comunista, marca o início de uma transição planejada há muito tempo e destinada a manter o controle ferrenho da ilha após a eventual morte de Fidel, afirmam funcionários do serviço de inteligência e do governo em Washington.

"Este é um plano de transição, uma espécie de test drive, um ensaio geral, disse um funcionário da área de inteligência, referindo-se ao comunicado de que o líder cubano se submeteu a uma cirurgia e delegou provisoriamente o poder a seu irmão.

O comunicado, assinado pelo próprio Fidel e divulgado na segunda-feira à noite, dizia que o excesso de trabalho no mês passado, "que quase não o deixou dormir", havia provocado uma crise intestinal que exigira uma cirurgia complicada. E informava que ele descansaria durante algumas semanas.

Funcionários do governo dos EUA observaram que, na quarta-feira da semana passada, Fidel fez um discurso de 2 duas horas e 20 minutos e especularam que ele teria sofrido um rompimento repentino de uma úlcera gástrica ou uma diverticulite. Segundo a CIA (serviço secreto americano), há algum tempo é visível o declínio da saúde de Fidel e, além disso, ele sofre do mal de Parkinson.

Já se sabia há muito tempo, nos Estados Unidos e Cuba, que Raúl assumiria o lugar do irmão. O próprio Fidel confirmou no início de junho que havia escolhido Raúl como seu sucessor. "Esta é a oportunidade para eles verem como as coisas funcionariam", disse um funcionário da inteligência americana, que pediu anonimato. "Eles estão observando as (próprias) ruas, bairros e lugares mais distantes para ver como as pessoas, os governos estrangeiros e os cubanos nos Estados Unidos reagem."

Três semanas atrás, o governo americano divulgou um relatório de 40 páginas da Comissão de Assistência a Cuba Livre, com recomendações para acelerar o fim do governo de Fidel e ajudar na futura transição para a democracia. A comissão prometeu liberar um fundo de US$ 80 milhões para as forças democráticas e de oposição, incluindo a Rádio Martí, com base em Miami. Também advertiu contra a crescente aliança com o governo populista do presidente venezuelano, Hugo Chávez, destinada a isolar o regime cubano das pressões por democracia e subverter as atuais democracias latino-americanas.

Além de evitar o pânico, tanto em Cuba como no exterior, o comunicado da noite de segunda-feira parece destinado também a evitar que se pense em uma possível disputa de poder em Havana. Figuras mais jovens e também poderosas em Cuba, como o ministro das Relações Exteriores, Felipe Pérez Roque, e o chefe da política econômica, Carlos Lage Dávila, foram instruídos a continuar o trabalho considerado prioritário por Fidel, nas áreas da saúde, educação e energia, sob a liderança de Raúl Castro.

Raúl Castro já detém diversas funções dentro do partido e do governo, como ministro da Defesa e comandante-geral das Forças Armadas cubanas.

Embora menos conhecido do público, o fato é que ele detém um grande poder por trás dos bastidores. Desde o início o Exército cubano está sob seu comando e sua influência aumentou o controle sobre as forças policiais. Recentemente, o setor do turismo - um das maiores fontes de receita da ilha - passou para sua supervisão e ele pôs aliados militares em posições-chave em todas as áreas do governo.

"Há algum tempo vem ocorrendo uma espécie de transição 'raulista' em Cuba", disse Mark Falcoff, autor do livro Cuba, the Morning After, acrescentando que "do ponto de vista institucional, essa transição já está bem avançada".

Raúl não tem o talento do irmão para lidar com o público, mas é conhecido como perito em fazer acordos, tendo criado um grande grupo de seguidores leais nas últimas quatro décadas.

"Todo o alto comando militar é fiel a ele", disse Brian Latell, antigo analista da CIA e autor do livro After Fidel, concluindo que "sua liderança e estilo de administração são muito diferentes dos de seu irmão. Ele conquista lealdade e a mantém".

Raúl Castro tem uma "dualidade de personalidade, um lado duro, brutal, cruel e um menos conhecido, mais simpático e compassivo. A questão é saber qual dos dois emergirá", disse Latell.

Para muitos observadores, uma questão importante é o que acontecerá se os irmãos Castro saírem de cena. Embora cinco anos mais novo que o irmão, acredita-se que Raúl também esteja com a saúde abalada.