Título: Virada improvável
Autor: Clso Ming
Fonte: O Estado de São Paulo, 03/08/2006, Economia, p. B2

Imagine como devem estranhar economistas e militantes do PT quando ouvem do ministro Guido Mantega, petista de quatro costados, que um dos objetivos da política econômica do governo Lula é obter o grau de investimento para a dívida pública brasileira.

Nenhum documento do PT menciona a necessidade de obter grau de investimento quando trata de política econômica.

Para quem não tem intimidade com esse tema, grau de investimento é a qualificação dada pelas agências de classificação de risco para os títulos de dívida. Essas agências se encarregam de dizer aos investidores do mundo o quanto um título é confiável ou se não passa de mico em potencial. Para isso dão notas. As mais baixas avisam que o título é um risco (grau de especulação). A partir de determinado nível, passam a merecer grau de investimento. Algumas instituições, por lei ou por política própria (como seguradoras, fundos de pensão ou instituições financeiras), não podem aplicar seu patrimônio em títulos de risco. Quando atinge o grau de investimento, um título de dívida passa a ter uma procura muito maior e, por isso, pode reduzir sua remuneração (juros) ao aplicador.

O grau de investimento não é um objetivo em si mesmo. É apenas enorme facilitador. Quando a dívida brasileira atingir esse nível, não só os juros desses títulos cairão, mas também o País terá melhores condições de crescer e de criar empregos - que é o que todos queremos.

O ministro Guido Mantega calcula que já no ano que vem as agências de classificação de risco darão grau de investimento à dívida brasileira, algo que se esperava para não antes de 2008. Há razões para acreditar em que essa antecipação possa acontecer. Uma delas é a de que o volume de reservas já ultrapassou a dívida líquida do setor público em moeda estrangeira. Outra é a de que os fundamentos da economia estão substancialmente mais sólidos, o que é incrementador de confiança.

Se o Banco Central seguir comprando dólares ao ritmo de US$ 3 bilhões por mês, antes mesmo do final do ano as reservas externas ultrapassarão os US$ 80 bilhões e isso, por si só, será um apressador do grau de investimento, como foi para a Rússia (hoje, com reservas de US$ 243 bilhões) e para Índia (reservas de US$ 156 bilhões).

Por aí se vê como são inconseqüentes os exportadores e tantos outros lobistas que pedem mais compra de dólares pelo Banco Central, de maneira a evitar a excessiva valorização do real. Quanto mais aumentarem as reservas tanto mais crescerá lá fora a percepção de solidez dos fundamentos da economia brasileira. E, dessa maneira, os dólares entrarão com ainda mais força, não propriamente para especulação com juros altos, mas para investimentos e aplicações de longo prazo em títulos de dívida do Brasil.

Assim se percebe que uma das conseqüências da promoção da dívida brasileira nas tabelas de classificação de risco - e nem precisa chegar a grau de investimento - será a de que o real tenda a seguir seu curso de valorização diante do dólar. A simples queda do prêmio de risco Brasil atesta a maior procura por títulos brasileiros. Quando a promoção ao grau de investimento estiver próxima, parece inevitável a chegada de uma enxurrada de dólares para compra de papéis mesmo em reais.

Não é à toa que o ministro Mantega avisa que não há como promover uma reviravolta na atual tendência do câmbio. Ele recomenda que os exportadores brasileiros se acostumem com a idéia.

Por essas e outras é que parece aumentar o cordão dos que pedem o controle do fluxo de capitais. O diabo é que uma decisão dessas viria na contramão do que o País mais precisa, que é estimular a tomada de títulos de dívida em reais.

Ainda segunda-feira, o ex-ministro Luiz Carlos Mendonça de Barros advertia que um dos maiores problemas da economia brasileira é o de que há mais dívida em reais do que poupança interna para financiá-la. Nessas condições, a entrada de capitais para tomar títulos em reais e ajudar a derrubar os juros é uma excelente oportunidade de consolidar a qualidade da economia e não um problema. Se bem aproveitada, essa oportunidade pode atender a enorme necessidade de direcionar mais capitais, hoje bloqueados na cobertura da dívida brasileira, para investimentos.