Título: 'Fracasso da rodada trará protecionismo'
Autor: Jamil Chade
Fonte: O Estado de São Paulo, 03/08/2006, Economia, p. B8

O ministro das Relações Exteriores, Celso Amorim, advertiu ontem que o fracasso da Rodada Doha da Organização Mundial do Comércio (OMC) desencadearia uma "onda de protecionismo, de retaliações unilaterais e de acordos distorcivos" às trocas de bens e serviços em todo o mundo.

Em depoimento na Comissão de Relações Exteriores e Defesa Nacional do Senado, o chanceler destacou que há compreensão das grandes potências sobre esse elevado risco de fragilização do sistema multilateral de comércio.

Para o Brasil, a retomada das negociações, suspensas desde o último dia 24, tonrou-se uma questão de "emergência". Para o Itamaraty, o ideal seria que isso ocorresse logo depois do encontro do G-20, o grupo de economias em desenvolvimento liderado pelo Brasil e a Índia, agendado para o próximo 9 de setembro, no Rio de Janeiro. "Precisamos tirar a Rodada Doha da UTI (Unidade de Terapia Intensiva) com urgência. Não para levá-la ao crematório, mas para reavivá-la", disse.

Em seu depoimento aos senadores, Amorim teve o cuidado de explicar que as "moedas de troca" do Brasil - suas propostas de abertura dos mercados industrial e de serviços - não chegaram a ser colocadas oficialmente sobre a mesa de negociações. O impasse ficou concentrado na negativa dos Estados Unidos em melhorar sua oferta de corte nos subsídios a seus agricultores, sob a alegação de que as propostas de acesso aos mercados agrícolas da União Européia e de economias em desenvolvimento, como a Índia, não haviam chegado a um patamar satisfatório. Nenhuma dessas ofertas atenderia aos pleitos do Brasil e de seus aliados do G-20.

Amorim explicou que os Estados Unidos têm autorização para aplicar até US$ 48 bilhões ao ano em subsídios aos produtores agrícolas. Sua proposta reduziria esse teto para US$ 22,5 bilhões, com cortes profundos nas subvenções que mais distorcem o comércio agrícola - a chamada caixa amarela. Em 2005, entretanto, Washington destinou cerca de US$ 20 bilhões ao seu pacote de subsídios. "Essa oferta apenas garantiria que essas subvenções não seriam muito maiores que o pacote atual."

A UE indicou no final de junho que poderia aumentar o corte médio de tarifas de importação de produtos agrícolas de 39% para 60%. Mas sinalizou também que a redução mais profunda atingiria os produtos de menor interesse do Brasil e do G-20 e deixou margens para proteger itens sensíveis por meio de cotas e de salvaguardas.

Amorim frisou que os acordos bilaterais ou regionais não seriam capazes de proporcionar o mesmo grau de benefício ao comércio brasileiro. Esses acertos implicariam maiores concessões do Brasil para se obter menos que o projetado para a Rodada. "O Brasil não é Cingapura. O Brasil é uma mistura de Índia e Chile, do ponto de vista econômico, e talvez seja mais parecido mesmo com a Índia", afirmou, ao defender que os acordos bilaterais concluídos por outros países não seriam recomendáveis para o caso brasileiro. "O que exige cuidados em uma negociação do Brasil, nem sempre é preocupação para países com alta concentração de tecnologia, como Cingapura, ou na área agrícola, como o Chile."