Título: Doha não é só problema do G-20, diz Lamy
Autor: Jamil Chade
Fonte: O Estado de São Paulo, 03/08/2006, Economia, p. B8

O diretor-geral da Organização Mundial do Comércio (OMC), Pascal Lamy, considerou ontem que a reunião do grupo de países emergentes (G-20) que está sendo convocada pelo Brasil para setembro poderá ocorrer "cedo demais" para que se consiga relançar a Rodada Doha.

Lamy admitiu, porém, que o encontro poderá ser pelo menos uma "pressão extra" para a retomada das negociações paralisadas em julho. Já no dia 20 de setembro, 50 ministros de Comércio se reúnem na Austrália no que está sendo considerado pelo governo local como "a última chance" de uma retomada do processo este ano.

Os australianos até anunciaram uma nova proposta de cortes de tarifas e subsídios agrícolas para tentar aproximar as posições divergentes de Estados Unidos e União Européia (UE). A proposta é de que os americanos cortem seus subsídios à agricultura em US$ 5 bilhões dos US$ 22 bilhões que anualmente distribuem aos produtores. Dos europeus, a Austrália quer um corte de 56% em suas tarifas. Por enquanto, Bruxelas aceita uma redução de no máximo 51%. "Se conseguirmos uma posição americana mais flexível, conseguiremos que os europeus também se movam", afirmou Mark Vaile, ministro do Comércio da Austrália.

O objetivo não seria mais o de concluir a rodada até o final do ano. Mas de mostrar que há avanços e, com isso, conseguir que o Congresso americano aprove uma extensão do mandato do presidente George W. Bush para negociar acordos comerciais além de julho de 2007.

Originalmente, a reunião na Austrália seria apenas entre os exportadores agrícolas, bloco conhecido como Grupo de Cairns. Mas diante da situação em que se encontra a rodada, ministros americanos, europeus e Lamy foram convidados. Para o Brasil, a proposta australiana não deve vingar.

Um corte de 56% por parte dos europeus seria considerado como irrealista por países como a França. Já a redução de US$ 5 bilhões nos subsídios americanos seria pouco para as ambições do Itamaraty.

Em Brasília e para vários governos na OMC crescem cada vez mais as chances de que a proposta do G-20 seja o meio termo entre o que querem americanos e europeus. Nos cortes de tarifas, por exemplo, o G- 20 propõe um corte de 54%.

Já a reunião do G-20, marcada para o dia 9 de setembro, é uma proposta do Brasil para tentar relançar as negociações. Em entrevista ao Estado publicada ontem, o chanceler Celso Amorim afirmou que conversou sobre o encontro com ministros e com o próprio Lamy nesta semana. "Todos foram receptivos à realização de uma reunião do G-20 no início de setembro."

Lamy de fato acredita que o novo encontro pode ser positivo. Mas faz seus alertas. "Acho um pouco cedo demais para retomar o processo". Lamy suspendeu as negociações e pediu que os países fizessem uma pausa para repensar o que de fato querem da Rodada Doha.

Para vários governos, porém, o mês de agosto não será de trabalho e não possibilitará, portanto, que diplomatas façam consultas domésticas sobre o futuro da OMC.

Na Europa, por exemplo, o mês é de férias de verão e muitos dos ministros sequer aparecem em seus escritórios. O próprio Lamy admitiu que estava trabalhando apenas parcialmente nestas semanas.

Lamy também alertou que o impasse na negociação não está dentro do G-20. "A negociação não é dentro do G20." De fato, as maiores divergências estão entre os EUA, que se recusa a aceitar um corte maior de seus subsídios domésticos, e a Europa, que não quer uma redução mais acelerada de suas tarifas de importação para bens agrícolas.