Título: Carlos Velloso diz que proposta 'cheira a golpe'
Autor: Mariangela Gallucci e Gabriel Manzano Filho
Fonte: O Estado de São Paulo, 04/08/2006, Nacional, p. A9

"Uma Constituinte nesses termos cheira a golpe", reagiu ontem em Brasília o professor de direito constitucional e ex-presidente do Supremo Tribunal Federal (STF) Carlos Velloso ante a proposta do presidente Luiz Inácio Lula da Silva de convocar uma Assembléia Constituinte para fazer a reforma política. O mesmo comentário - "tem cheiro de golpe" - foi feito em São Paulo por Goffredo da Silva Telles, um dos mais renomados constitucionalistas do País, para quem o Brasil vive "uma época negra".

"O risco é imenso", completou outro estudioso de assuntos constitucionais, o professor Celso Antônio Bandeira de Mello, titular de direito administrativo da PUC de São Paulo. E uma Constituinte "só pode ser convocada em momentos de ruptura, e isso não ocorre ainda", lembra o professor e advogado Everson Tobaruela, do Comitê de Direito Político e Eleitoral da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB).

Para Velloso, "é despropositada" a idéia de uma Constituinte agora. "Não estou dizendo que o presidente tenha essa pretensão (de golpe). Mas todo governante com pretensões cesaristas começa convocando Constituinte. Foi o aconteceu com Hugo Chávez, na Venezuela, e Pinochet, no Chile."

Goffredo adverte que a idéia é inconstitucional. "Temos vivido uma fase tristonha de nossa história. Há uma ignorância tão patente e uma falta de princípios e valores que nos assustam, arrasam", comentou. "Essas pessoas falam em Constituinte sem ter a menor idéia do que significa. Se há uma Constituição, para alterá-la é preciso atender ao rito legal, há um órgão competente para fazê-lo."

Por isso o jurista, de 91 anos, usa a palavra golpe. "Veja como estamos vivendo, com um presidente que se serve de medidas provisórias para legislar - uma tarefa que cabe ao Parlamento. E quase todas essas MPs são inconstitucionais. Um Congresso sério sequer tomaria conhecimento das MPs. O fato é que estamos sendo governados pela ignorância, pela falta de ética, e isso nos assusta extraordinariamente. Uma Constituinte tem de ser convocada pelo povo, depende da vontade dele, através de seus representantes. Esse pessoal não tem idoneidade nem ciência para tal tarefa."

Para o professor e jurista Bandeira de Mello, não há possibilidade de uma Constituinte ligada a um único tema. "Isso não existe. Uma Constituinte é algo peculiar, seu campo de atuação é ilimitado. Ela é soberana, no sentido radical da palavra."

A reforma política, diz ele, "por mais importante que seja", tem de seguir ritos estabelecidos. "Como cidadão, tenho a convicção de que é fundamental fazê-la, mas o melhor seria através da mobilização da sociedade, elegermos deputados conscientes e que façam uma reforma profunda. Que fosse designada, quem sabe, uma comissão de alto nível, da própria sociedade, que sugerisse um documento inicial, um esboço."