Título: 'Decepção libanesa com árabes torna jogo fácil para Irã'
Autor: Eduardo Salgado
Fonte: O Estado de São Paulo, 04/08/2006, Internacional, p. A14

O jornalista Ghassan Tueni, de 80 anos, é uma das personalidades mais influentes do Oriente Médio. Ele é o dono do An-Nahar, jornal libanês publicado em árabe e considerado um dos mais independentes da região. Tueni foi presidente do L'Orient Le Jour, jornal libanês escrito em francês, de 1965 até 1971, e ainda hoje é um dos acionistas e membros do conselho. Bem-humorado, orgulha-se do fato de o An-Nahar ter leitores de todas as religiões. "A maior prova é a seção necrológica. Diariamente temos sobrenomes cristãos, sunitas, xiitas e drusos. E olha que não matamos todos eles na mesma quantidade."

Tueni foi ministro de quatro pastas diferentes, vice-primeiro-ministro e embaixador na ONU. Hoje é deputado, mandato que conquistou pela primeira vez em 1951. Quem o conhece diz que uma de suas características é o otimismo. "É preciso ser otimista. Caso contrário, a opção é desistir de tudo. Qual é o problema em ser otimista?", perguntou ele no final da tarde de quarta-feira na moderna sede do An-Nahar. Essa faceta de Tueni chega a ser surpreendente. Ele perdeu a mulher, a famosa poeta Nadia Tueni, que morreu de câncer. O mesmo tinha acontecido antes com sua filha de 7 anos. Um de seus dois filhos, Makram, morreu em um acidente de carro na França em 1987. O outro, Gebran, um jornalista de 48 anos, diretor do jornal, foi morto em dezembro por uma explosão que acabou com seu carro blindado.

Nos meses anteriores, o An-Nahar vinha adotando uma posição crítica em relação à Síria. "Avisaram para não atacar o governo e incitar a população síria a se rebelar. Criticar os aliados sírios no Líbano, tudo bem. Gebran não aceitou o acordo", afirma Tueni. Leia a seguir trechos da conversa com o Estado:

FUTURO DA GUERRA

Israel pede mais três semanas para acabar o trabalho de limpar a área perto da fronteira antes da chegada das tropas internacionais, mas não acho que conseguirão. Os americanos não vão dar todo esse tempo. Os Estados Unidos impuseram alguns limites. A eletricidade e a água não foram cortadas em todo o país, por exemplo. Se deixarem o Líbano explodir, colocarão em perigo todo o Oriente Médio. Por isso, os limites.

O PAPEL DOS EUA

Não culpo os americanos, mas a posição dos EUA não ajuda a resolver nenhum problema no Oriente Médio. O Iraque é uma catástrofe, e o Líbano é um cheque em branco que eles deram para Israel. Estão criando mais problemas do que resolvendo. Primeiro precisamos de um cessar-fogo. E, toda vez que se fala no assunto no Conselho de Segurança da ONU, os americanos pedem alguns dias para estudar a proposta. Dizem que darão apoio a um cessar-fogo quando as bases para uma solução de longo prazo estiveram dadas. Não existem bases para uma solução de longo prazo numa região que vive em constante fluxo. E quando falam em um novo Oriente Médio, o que querem dizer? Um novo mapa? Uma nova classe governante? Um novo sistema? Uma democracia imposta por tanques não é uma democracia.

ISRAEL QUER ÁGUA

Israel não consegue destruir o Hezbollah. Primeiro disseram que precisavam de uma semana. Depois, duas semanas. Já entramos na terceira semana e nada. Israel quer uma linha de segurança que comece no Rio Litani. Quer controlar o rio porque precisa de água. A primeira invasão do Líbano em 1978 foi batizada de "Operação Litani". Agora diz que quer um vácuo militar que chegue até o rio. As tropas estão expulsando as pessoas. No Líbano, isso é inédito. Além disso, é contrário a todas as leis humanitárias.

DESARMAMENTO

Faço parte da comissão que trata do desarmamento no Líbano. Penso que o Hezbollah tem de entregar suas armas e seus combatentes devem entrar nas fileiras do Exército. Não podemos tolerar uma milícia independente do Estado. O governo do Líbano não tem condições de pressionar pelo desarmamento sozinho. Mas com a ajuda das tropas internacionais, sim. Não com o uso da força. Mas tirando a desculpa usada pelo Hezbollah para manter suas armas. Se (o primeiro-ministro libanês Fuad) Siniora conseguir que Israel desocupe a região das Fazendas de Shebaa pela via diplomática, o Hezbollah provavelmente aceitará se desarmar. O grupo não vai atirar nas tropas internacionais. O que vai fazer é evitar que as tropas tenham a permissão de vir. É isso o que já estão fazendo ao pedir à Síria e ao Irã que se oponham à idéia.

TEMOR

Algumas pessoas com as quais converso temem que o Hezbollah sobreviva, saia desse conflito dizendo que foi o vencedor e queira governar o país. Para mim isso é impossível. Nenhuma comunidade pode governar o Líbano sozinha.

DECEPÇÃO

A Síria diz que o confronto atual é parte da guerra entre árabes e israelenses. Tudo bem. Mas então por que os árabes não vêm para o Líbano e confrontam Israel daqui? Hosni Mubarak (o presidente egípcio) disse que nunca entraria numa guerra pelo Líbano. Sabemos disso. Ele não precisava nem ter dito. Mas por que ele não retirou seu embaixador de Israel ou pediu que o embaixador israelense no Cairo se retirasse para pelo menos protestar? Os libaneses estão decepcionados com os árabes. É por isso que esse jogo está fácil para os iranianos. Isso está se tornando cada vez mais uma sessão nostalgia de dois antigos impérios. Os iranianos sonham com o império persa e os turcos, que devem vir com as forças européias, com o império otomano. Já os árabes se desligaram do papel histórico que deveriam desempenhar.

PREVISÕES ERRADAS

Israel já tinha esse plano de invadir mais uma vez o Líbano há três anos. Especialistas israelenses foram aos Estados Unidos discutir o plano, saiu até nos jornais americanos. O que aconteceu foi que o Hezbollah não foi esperto o suficiente para não cair na armadilha. O Hezbollah não soube prever qual seria a reação israelense, e Israel não enxergou a força que o grupo xiita poderia mostrar durante a guerra. Os dois lados fizeram cálculos errados.