Título: Natureza do inimigo engana Israel
Autor: Robert Pape
Fonte: O Estado de São Paulo, 04/08/2006, Internacional, p. A16

Finalmente, Israel admitiu que apenas sua Força Aérea não conseguirá derrotar o Hezbollah. Nas próximas semanas perceberá que suas forças terrestres também não vencerão o movimento. Não quer dizer que os israelenses tenham um poderio militar insuficiente, mas o fato é que estão equivocados quanto à natureza do inimigo.

Contrariamente à opinião generalizada, o Hezbollah não é nem um partido político nem uma milícia islâmica. É um movimento amplo que evoluiu em reação à invasão do Líbano por Israel em junho de 1982. No início era um pequeno número de xiitas apoiados pelo Irã. Contudo, à medida que o número de libaneses ressentidos com a ocupação israelense aumentou, o Hezbollah - de um modo nunca bem integrado - expandiu-se numa organização influente que tacitamente coordenou as operações de resistência de uma série de grupos com os mais variados objetivos religiosos e seculares.

Em termos de estrutura e hierarquia, o Hezbollah seria menos comparável, digamos, a um movimento religioso, como o Taleban, mas está mais de acordo com os movimentos americanos dos anos 60 de luta pelos direitos civis. O que motivou a rápida ascensão do Hezbollah e tornará impossível sua derrota militar não é o apoio internacional que o grupo tem, mas o fato de que ele nasceu a partir de uma reorientação de grupos sociais libaneses que já existiam.

Uma prova desse forte caráter de resistência do Hezbollah à ocupação israelense está na identidade de seus homens-bomba. Entre 1982 e 1986, o Hezbollah conduziu uma ampla campanha de ataques suicidas contra alvos americanos, franceses e israelenses. Combinados, esses ataques , que incluíram o infame atentado ao quartel dos fuzileiros navais americanos em 1983, envolveram 41 homens-bomba.

Quando escrevi meu livro sobre esses suicidas, meus pesquisadores foram à procura de fontes libanesas para coletar vídeos de torturas, imagens, testemunhos e biografias dos homens-bomba do Hezbollah.

Dos 41 suicidas, identificamos os nomes, local de nascimento e outros dados pessoais de 38. Espantosamente, apenas oito eram fundamentalistas islâmicos. Vinte e sete pertenciam a grupos políticos de esquerda, como o Partido Comunista libanês e a União Socialista Árabe. Três eram cristãos, incluindo uma professora de faculdade.Todos nascidos no Líbano.

O que esses homens-bomba - e seus atuais herdeiros - partilham não é uma ideologia religiosa ou política, mas simplesmente um compromisso de resistência à ocupação externa. Quase duas décadas de presença militar israelense não erradicaram o Hezbollah.

A única coisa comprovada que pode acabar com os ataques suicidas, no Líbano e em outras partes, é a saída da força de ocupação.

Portanto, a nova ofensiva terrestre israelense pode ocupar território e destruir armas, mas são poucas as possibilidades de destruir o movimento Hezbollah. Na verdade, no rastro dos ataques contra civis, a incursão provavelmente ajudará o Hezbollah a recrutar novos partidários.

Igualmente importante, essa incursão israelense também está desperdiçando a boa vontade com que Israel contava inicialmente dos chamados Estados árabes moderados, como Egito e Arábia Saudita. São países cuja opinião é importante porque, embora Israel não consiga esmagar o Hezbollah, pode entretanto atingir um objetivo mais limitado, ou seja, acabar com as compras do Hezbollah de mais mísseis, por intermédio da Síria.

Dar à Síria o controle total de sua fronteira com o Líbano, conter o fluxo de armas é tarefa da diplomacia e não da força. Arábia Saudita, Egito e Jordânia, países liderados por sunitas, que querem estabilidade na região, estão motivados a reprimir essa ascensão do Hezbollah.

Em condições adequadas, os Estados Unidos podem conseguir que seja formada uma coalizão especial de vizinhos da Síria para seduzi-la e intimidá-la e impedir que mísseis iranianos, chineses e de outros países entrem no Líbano. Podem também propor que se iniciem conversações sobre o futuro das Colinas do Golan.

Porém, Israel precisa tomar a iniciativa. A menos que suspenda a ofensiva e aceite um autêntico cessar-fogo, provavelmente nas próximas semanas teremos muitos israelenses mortos - e um Hezbollah muito mais forte.

*Robert Pape é professor de ciências políticas na Universidade de Chicago e autor do livro 'Dying to Win: The Strategit Logic of Suicide Terrorism'. Ele escreveu para 'The New York Times'.