Título: O panorama visto pelo FMI
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Fonte: O Estado de São Paulo, 15/09/2006, Notas e Informações, p. A3

O Brasil continuará a crescer menos que a América Latina, em 2006 e 2007, e a América Latina, menos que os demais grupos de emergentes. A projeção está no Panorama Econômico Mundial, um relatório divulgado regularmente pelo FMI em abril e setembro. O cenário repete-se há anos. Com exceção do Chile e, ocasionalmente, de algum outro país, os latino-americanos vêm marcando passo há duas décadas.

Houve reformas, algum progresso institucional e uma sensível melhora nas contas externas, mas a região tem sido incapaz de acompanhar a expansão das economias da Ásia.

Os comentários e recomendações dos economistas do FMI também se repetem, com desanimadora insistência. Os progressos dos últimos anos, segundo os autores do Panorama, tornaram a região menos vulnerável, mas não em grau suficiente para resistir a uma combinação de fatores adversos. Os juros podem voltar a subir nos Estados Unidos, na Europa e no Japão, se a inflação voltar a subir. O banco central americano interrompeu a série de aumentos, em agosto, mas poderá apertar de novo a política monetária.

Os outros bancos centrais do mundo poderão seguir o mesmo caminho. Juros maiores no mundo rico tenderão a prejudicar o fluxo de capitais para economias emergentes. Serão afetadas especialmente as que não completaram a agenda de reformas e de integração global.

Além do mais, os preços da maior parte dos produtos básicos tenderão a acomodar-se, nos próximos anos, e a sua contribuição para a receita cambial dos latino-americanos deverá diminuir. Este cenário é hipotético e poderá não ocorrer, ou ocorrer apenas parcialmente. Enfim, são mais ou menos óbvias tanto as advertências quanto as recomendações, que só se repetem porque os latino-americanos são lentos para se livrar de certos vícios econômicos e políticos.

Os autores do relatório chamam a atenção, com ênfase especial, para um desses vícios. Segundo eles, há incerteza quanto à política econômica, em alguns países, por não se saber se os governos resistirão às pressões por novas medidas populistas. As pressões são fortes, de acordo com esses técnicos, porque as economias da região têm crescido pouco e a redução da pobreza tem sido lenta na América Latina. Outras obviedades, portanto.

O relatório não cita nomes de políticos nem de países, mas isso não é necessário para quem acompanha a política regional. Não há dúvida sobre o vigor do populismo na Venezuela e na Argentina, nem sobre a influência do venezuelano Hugo Chávez sobre seu colega boliviano Evo Morales. Mas a tentação está presente noutros países da região e manifestou-se claramente nas campanhas eleitorais deste ano. E é duvidoso que o Brasil esteja vacinado em grau suficiente contra uma recaída nessa doença política.

Economias abertas são menos sujeitas a esse risco, porque seus governos são forçados a dar maior atenção aos fatores de competitividade. Têm menos liberdade para queimar dinheiro em despesas inconseqüentes e para manter contas públicas muito desajustadas. Têm menor espaço para intervenções demagógicas nos preços. Têm menor arbítrio para distribuir favores custosos.

As economias latino-americanas abriram-se tardiamente. Quando começaram, os países da Ásia já haviam avançado muito na integração internacional, exportando e importando volumes crescentes e atraindo capitais de longo prazo para investimento produtivo.

Os latino-americanos, sempre com poucas exceções, foram muito mais lentos na adoção de reformas. Permaneceram fechados por mais tempo e interromperam mais de uma vez seus programas de modernização. O Brasil não é exceção e seu programa de reformas, depois de um esforço inicial, avançou quase nada nos últimos quatro anos.

É preciso, segundo o Panorama, desbloquear o potencial de crescimento da América Latina. Sem dúvida, mas essa é uma tarefa muito mais política do que administrativa. Esse é o nó dos problemas que se perpetuam por culpa de governos que não se dispõem a enfrentá-los com a coragem e objetividade necessárias.