Título: Pistoleiros matam vice do BC russo
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Fonte: O Estado de São Paulo, 15/09/2006, Internacional, p. A18

O vice-presidente do Banco Central da Rússia, Andrei Kozlov, foi assassinado com tiros na cabeça e pescoço por homens de identidade desconhecida. Kozlov liderava uma campanha para acabar com a lavagem de dinheiro e a corrupção no sistema bancário do país. Sua morte traz à lembrança a época em que o crime organizado mantinha estreitas relações com o mundo dos negócios na Rússia, logo após o colapso da União Soviética.

Kozlov, de 41 anos, foi alvejado na quarta-feira à noite, nas proximidades de uma quadra esportiva onde havia jogado futebol com funcionários do banco. Ele morreu algumas horas depois, na manhã de ontem, durante uma cirurgia de emergência num hospital da região. Segundo a Promotoria Geral russa, há indícios de que o crime tenha sido encomendado. As armas foram deixadas no local do crime, algo comum em assassinatos de aluguel. Aparentemente, não há testemunhas - o motorista de Kozlov, que estava com ele na hora do crime, também foi morto. Os principais suspeitos são os donos de instituições financeiras investigadas por Kozlov.

Responsável pela supervisão do sistema bancário do país, Kozlov fechava uma média de três bancos irregulares por semana. No início do mês, ele propôs uma medida para evitar que empresários acusados de lavagem de dinheiro pudessem abrir novos negócios no setor bancário. 'O assassinato de Kozlov é um grande desafio às autoridades russas', disse o economista Anatoly Chubais, mentor das privatizações na Rússia e presidente da RAO Unified Energy Systems, empresa que produz a maior parte da energia elétrica consumida no país. ' A resposta das autoridades deve ser firme e rápida'.

Visto como um profissional sério e honesto, Kozlov recebeu destaque da revista americana Business Week em 1997, numa matéria listando as maiores estrelas das finanças no mundo. A reportagem, que também citava o ex-presidente do Banco Central brasileiro, Gustavo Franco, apontava Kozlov como um dos responsáveis pela modernização da economia de seu país. Depois da moratória da dívida externa da Rússia, em 1998, ele ajudou a articular as reformas que evitaram o colapso do sistema financeiro, aumentando o controle sobre as centenas de instituições financeiras que atuam no país.

O governo russo teme que o assassinato de um alto funcionário do Banco Central leve os empresários estrangeiros a se convencerem que investir na Rússia ainda é um negócio arriscado. 'A morte violenta de um executivo desse calibre mostra haver um grande risco institucional na Rússia e coloca o país atrás de países instáveis da América Latina', disse Dmitry Golubkov, analista financeiro da corretora Aton. Graças ao programa de reformas implementado há quinze anos no país, o desempenho da economia russa é invejável. Desde 1998, o PIB cresce a uma média anual de 6,4%. A morte de Kozlov mostra, porém, que ainda há muito a fazer quando o assunto é a transparência das instituições. A corrupção é institucionalizada e clãs industriais-financeiros mantém relações espúrias com o crime organizado.

A violência contra empresários continua a ser relativamente comum no país. No ano passado, o banc ário Alexander Slesarev, sua mulher e filha foram mortos em um atentado aparentemente relacionado aos processos de falência de seus dois bancos. Em 2004, o editor da revista Forbes na Rússia , Paul Klebnikov, foi assassinado com quatro tiros. Na época, havia suspeitas que o crime poderia estar relacionado à publicação de um ranking dos 100 homens mais ricos do país.

Os riscos enfrentados pelos homens de negócios também aumentam conforme o governo de Vladimir Putin, fortalecido pela alta dos preços do petróleo, resolve fazer as coisas a seu modo. Em 2003, o magnata Mikhail Khodorkovski, então dono da petrolífera Yukos, foi preso por sonegação fiscal. Na época, as ambições políticas de Khodorkovski haviam colocado o bilionário em rota de colisão com Putin. São grandes as suspeitas de que a rivalidade com o presidente tenha influenciado - ou até ditad o - a sentença do empresário, que hoje cumpre pena na Sibéria.

Kozlov era funcionário de carreira e estava desde os 24 anos no Banco Central. Desde 2002 ocupava o cargo de vice-presidente. Até a noite de ontem, Putin não havia se pronunciado sobre a morte de Kozlov. O primeiro ministro, Mikhail Fradkov, pediu às autoridades policiais que lhe mantivessem informado sobre as investigações do caso.