Título: A escrita mais antiga das Américas
Autor: Giovana Girardi
Fonte: O Estado de São Paulo, 15/09/2006, Vida&, p. A21

Um bloco de pedra encontrado em Cascajal, no Estado mexicano de Veracruz, pode conter a mais antiga forma de escrita das Américas. A peça sugere que o povo olmeca, ancestral das sociedades complexas que surgiram na região (como maias e astecas), desenvolveu o sistema por volta de 900 a.C.

'É uma descoberta de cair o queixo. Leva esta civilização para um nível diferente', comenta o antropólogo Stephen Houston, da Universidade Brown, co-autor do trabalho publicado hoje na revista Science (www.sciecemag.org). Até então se imaginava que figuras zapotecas, de 500 a.C, eram as primeiras formas de escrita da região.

O bloco olmeca, de 12 quilos, 36 centímetros de comprimento por 21 de largura e 13 de espessura, contém um 'texto' com 28 elementos distintos - alguns dos quais aparecem repetidos duas, três ou quatro vezes. Sua face é lisa e levemente côncava, o que sugere que foi rabiscada e apagada várias vezes.

De acordo com os pesquisadores, liderados por Maria del Carmen Rodriguez Martínez, do Centro do Instituto Nacional de Antropologia e História do México, é possível notar a existência de padrões de linguagem, como a presença de sintaxe e seqüência de palavras de comprimentos variados.

A ordem de leitura, no entanto, foi mais difícil de estabelecer. 'A maioria das escritas mesoamericanas é lida da esquerda para a direita. Em princípio, é isso que acontece aqui também, mas não temos evidências para confirmar', escreve a equipe de mexicanos e americanos no relatório da Science.

Apesar de conseguirem descobrir todas essas características, os pesquisadores duvidam que, pelo menos por enquanto, haja chance de decifrar a escrita olmeca. 'A amostra é pequena, não há correlação com imagens explicativas, e o número restrito de símbolos, apesar de apontar para um alfabeto pequeno, é uma estatística sem significado', afirmam.

No entanto, já existem algumas idéias. Por exemplo, há pelo menos três sinais que se assemelham a espigas de milho, o que denota uma preocupação temática com o cultivo. Um outro símbolo, de um inseto, posicionado como se estivesse escalando, foi interpretado pelos pesquisadores como um sinal de início de uma nova seqüência. Há ainda alguns sinais isolados que aparecem em outros sítios olmecas. Houston também acredita que por causa do pequeno tamanho da tabuleta, ela não deveria ser um documento público, mas voltado para uma leitura individual. Só que se não forem encontrados outros artefatos com a escrita, pode ser que a análise não vá muito além.

'Por hora, a inscrição de Cascajal representa um caso similar ao disco de Phaistos, da ilha de Creta', comenta o antropólogo Javier Urcid, da Universidade Brandeis, em entrevista ao Estado. Ele, que estuda escrita zapoteca e avaliou a descoberta, se refere a um artefato encontrado no começo do século 20, único exemplar da escrita daquele povo e ainda a ter seu conteúdo decifrado.

Isso, no entanto, não diminui a importância do achado. 'Ele está centenas de anos na frente de qualquer outra coisa que nós tínhamos. As pessoas questionavam se os olmecas tinham alguma forma de escrita. Agora está claro que sim', afirma o especialista em escrita zapoteca David Stuart, da Universidade do Texas em Austin, que revisou o estudo.