Título: Dinheiro público pelo ralo
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Fonte: O Estado de São Paulo, 07/08/2006, Economia, p. B2

A União repassa recursos do Orçamento federal aos Estados e municípios por meio de convênios. A transferência dos recursos é voluntária, ou seja, não há lei que obrigue o governo federal a mandar o dinheiro. As famosas emendas que os deputados e senadores fazem ao Orçamento, para gastos em suas bases eleitorais, são executadas por meio de convênios. No primeiro semestre deste ano, o governo repassou R$ 3,4 bilhões aos municípios e R$ 3,5 bilhões aos Estados - o valor dessas transferências voluntárias já é superior ao que foi repassado em todo o ano passado. Uma auditoria feita pelo Tribunal de Contas da União (TCU) em 30 prefeituras de Minas Gerais constatou que 26 delas cometeram irregularidades graves no uso de recursos repassados pelo governo federal por meio de convênios, 3 apresentaram falhas formais e em apenas uma não foi constatada nenhuma irregularidade.

Na auditoria, o TCU examinou apenas 121 convênios assinados por essas prefeituras mineiras com o governo federal, no total de R$ 10 milhões. Do total, R$ 4 milhões foram desviados ou não se conseguiu demonstrar a vinculação entre a obra ou serviço e o objeto do convênio. Essa é uma pequena amostra do que tem acontecido com o dinheiro do contribuinte, quando ele é transferido pela União aos municípios por meio dos famosos convênios.

As irregularidades constatadas pelo TCU abrangem a apresentação de nota fiscal falsa nas prestações de contas, montagem e direcionamento das licitações, conluio, participação de empresas nas licitações que não têm sequer registro na junta comercial ou que inexistem fisicamente e pagamento a pessoas físicas ou jurídicas sem qualquer vínculo com o contrato.

O mais grave de tudo isso, no entanto, é que o TCU constatou que um número expressivo de convênios, nos quais foram encontradas irregularidades graves, haviam sido aprovados pelos Ministérios e órgãos públicos que concederam os recursos. A partir dessa constatação, o Tribunal determinou a realização de auditorias em 10 órgãos que repassam recursos aos Estados e municípios: os Ministérios da Cultura, Esporte, Agricultura, Desenvolvimento Agrário, Integração Nacional, a Caixa Econômica Federal (CEF), a Fundação Nacional da Saúde (Funasa), a Companhia de Desenvolvimento do Vale do São Francisco e Parnaíba (Codevasf), o Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE) e o Fundo Nacional da Saúde.

Os auditores do TCU encontraram um quadro caótico, com milhares de convênios sem prestações de contas apresentadas pelos municípios e outras milhares de prestações a espera de análise pelos Ministérios que repassaram as verbas. Segundo os auditores, o Ministério do Esporte e Turismo levará 24 anos para analisar todo o estoque de prestações de contas de convênios pendentes, no ritmo atual de análise; o Ministério da Cultura levará 21 anos, o Fundo Nacional do Desenvolvimento da Educação, 6 anos e o Fundo Nacional da Saúde, 2 anos. Para agravar o quadro, a mera apresentação das prestações de contas, sem que o Ministério concedente comprove a regularidade da aplicação do dinheiro, habilita o município a receber novos recursos da União.

A conclusão do TCU foi a de que a recorrência dessas falhas, nas transferências de recursos federais por meio de convênios, ¿aponta para deficiências estruturais dos órgãos repassadores, controles inexistentes ou ineficientes e falta de servidores habilitados a analisar e fiscalizar a descentralização de recursos em número compatível com o volume de instrumentos celebrados". E acrescenta: "Essa situação tem se mantido ao longo do tempo, não obstante as recomendações da atual Controladoria-Geral da União (CGU) e decisões desta Corte¿.

No dia 25 de maio último, os ministros do TCU deram um prazo de 180 dias para que o Ministério do Planejamento e todos os 10 Ministérios e órgãos auditados apresentem estudo com a identificação dos recursos humanos e materiais mínimos necessários à sua boa atuação nas três etapas de controle da transferência voluntária de recursos e o cronograma para que as medidas sejam implementadas. Todas as informações aqui divulgadas constam do relatório e voto do ministro Augusto Sherman Cavalcanti, do TCU, que faz parte do acórdão 788/2006 Plenário, e que pode ser lido no endereço www.tcu.gov.br.

O ministro-chefe da Controladoria-Geral da União (CGU), Jorge Hage, concorda com as conclusões do TCU. ¿Esse desaparelhamento dos órgãos é uma questão histórica¿, disse o ministro, em conversa com este colunista. Segundo Hage, o governo federal descentralizou a execução orçamentária ao longo dos anos, mas não cuidou do aparelhamento adequado da administração pública para acompanhar a aplicação dos recursos transferidos a Estados e municípios.

Para ele, a descentralização foi uma opção correta, mas deveria ter sido acompanhada da montagem de uma estrutura que permitisse aos órgãos públicos verificar, até mesmo in loco, se o dinheiro está sendo aplicado de acordo com os convênios assinados.

O ministro acha que reaparelhar os órgãos públicos, como quer o TCU, não basta. ¿É preciso também exigir uma proposta mais específica, com relação ao objeto do convênio e aos preços¿, observou. ¿Além disso, as aquisições de bens ou contratação de serviços precisam ser feitas por pregão eletrônico e as prestações de contas devem ser apresentadas por meio eletrônico, que permitam o cruzamento das informações¿, sugeriu.

O custo da troca de papéis - 2

Na semana passada, este colunista argumentou que a mudança na composição da dívida pública, principalmente a troca de papéis indexados à taxa Selic por papéis prefixados ou indexados a índices de preços, foi o motivo para o pagamento de juros, em proporção do Produto Interno Bruto (PIB), no período de 12 meses terminado em junho, não ter caído, em comparação com o mesmo período terminado em junho de 2005.

Em e-mail a este colunista, o economista Roberto A. Prado contesta a tese. Ele observa que a Selic média do período de 12 meses, terminado em junho, ficou em 17,77% contra 17,56% no mesmo prazo terminado em junho de 2005. ¿Se realmente os gastos com juros foram de 7,9% do PIB em ambos os períodos, então a troca de LFT por prefixado teve um efeito líquido positivo (ou seja, reduziu os encargos) e não o contrário¿, diz Prado. Este colunista mantém a sua opinião, à espera de um cálculo do custo da mudança na composição da dívida pública.