Título: Nova ameaça à Anatel
Autor:
Fonte: O Estado de São Paulo, 20/08/2006, Notas e Informações, p. A3
Não causa surpresa a disposição manifestada por empresas concessionárias de telefonia fixa de recorrer à Justiça contra a decisão da Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel) de não lhes permitir participar, nas áreas em que já operam, da licitação das licenças para exploração do serviço de banda larga sem fio para acesso à internet de alta velocidade. É uma reação natural de quem se sentiu prejudicado e, por isso, busca reparação pelos meios legais disponíveis.
Mas não é justificável a reação do ministro das Comunicações, Hélio Costa, que, por ter a Anatel rejeitado suas sugestões - permitir que as empresas de telefonia fixa participem da licitação em qualquer ponto do País, mesmo nas áreas em que já operam; e adiar a licitação marcada para setembro -, ameaça editar uma portaria ou outro instrumento legal para derrubar a decisão da agência. Costa ameaça, em resumo, passar por cima da Anatel, desrespeitando sua autonomia.
Não é a primeira vez que membros do governo Lula tentam intervir em áreas de estrita competência das agências reguladoras e, infelizmente para o País, certamente não será a última. Parece ser próprio da natureza do governo do PT tentar, sempre que possível, minar o trabalho dos órgãos reguladores. O próprio presidente da República, logo depois da sua posse, fez duras críticas ao papel das agências - criadas como complemento essencial do processo de transferência para o setor privado da responsabilidade pela prestação de diversos serviços públicos - ao dizer que, com sua criação, o Estado foi privatizado.
A Anatel já teve suas decisões contestadas por um antecessor de Costa, o então ministro Miro Teixeira, que quis mudar os índices de correção das tarifas de telefonia fixa, que eram determinados não pela agência, mas por contratos assinados à época da privatização das estatais da área de telecomunicações. No ano passado, uma tentativa da Anatel de promover uma reestruturação administrativa, com a qual ganharia maior agilidade, foi barrada pelo atual ministro. Outra divergência séria entre o ministro e a Anatel ocorreu no caso da fixação dos critérios de cobrança de tarifas do telefone popular, no qual acabou prevalecendo a posição da agência.
No caso que agora parece incomodá-lo tanto, a ponto de querer pressionar o Palácio do Planalto a nomear rapidamente um membro para preencher a vaga ainda existente no colegiado - aliás, o atraso na nomeação de substitutos dos conselheiros que deixam o cargo é, como a retenção das verbas orçamentárias, um dos artifícios utilizados com freqüência pelo governo Lula para prejudicar a atuação das agências -, o ministro Hélio Costa está aliado às concessionárias de telefonia fixa.
Na véspera da reunião da Anatel em que o assunto seria discutido, o ministro chegou a dizer que o colegiado aprovaria mudanças no edital de licitação para o leilão de freqüências para operação do serviço de acesso à internet de alta velocidade sem fio. Uma das alterações seria o adiamento do leilão. Mas, na reunião realizada na quarta-feira, dois conselheiros votaram a favor do adiamento e dois pela manutenção do prazo.
As agências reguladoras são instrumentos do Estado para fiscalizar o cumprimento das regras legalmente fixadas para a operação das empresas concessionárias de serviços públicos e a qualidade dos serviços por elas prestados. Seu dever, por isso, é atender aos interesses do Estado e do público, e não necessariamente os do governo, como parecem imaginar diversos membros da equipe de Lula, entre eles o ministro Hélio Costa.
O enfraquecimento das agências traria sérios riscos para o País. Investimentos nas áreas em que atuam as agências reguladoras são, geralmente, de longa maturação e, por isso, para realizá-los, os investidores precisam estar seguros de que as regras estabelecidas serão cumpridas. Isso exige que as agências reguladoras tenham competência técnica para decidir e autonomia para colocar em prática suas decisões. Interferências indevidas do governo na área regulatória assustam os investidores e podem retardar o crescimento.