Título: A guerrinha dos juros
Autor:
Fonte: O Estado de São Paulo, 20/08/2006, Notas e Informações, p. A3

Manobra diversionista foi como o economista-chefe da Federação Brasileira de Bancos (Febraban), Roberto Troster, classificou o pacote prometido pelo governo para reduzir o spread. O ministro da Fazenda, Guido Mantega, reagiu aparentando surpresa, qualificou a declaração de inoportuna e reclamou de seu tom. A diretoria do Banco Central (BC) emitiu nota para contestar as palavras de Troster. O presidente da Febraban, Márcio Cypriano, tentou desfazer o mal-estar, desautorizando o economista. Mas, se não for manobra diversionista, que mais poderá ser a medida provisória anunciada pela Fazenda? ¿Eleitoreira¿ será uma boa qualificação, se as providências não forem além daquelas conhecidas até agora, porque o efeito sobre os juros, se houver algum, será muito limitado.

Roberto Troster não é amador, nem novato, e deve conhecer muito bem o pensamento dos principais banqueiros e dos chefes da Febraban. Depois de suas declarações, ainda na quinta-feira, a instituição divulgou uma nota oficial. A mensagem principal também é crítica, apesar do tom apaziguador: embora apoiando as novidades anunciadas, a Febraban voltou a cobrar do governo a redução do depósito compulsório e da cunha fiscal, isto é, dos tributos sobre as operações financeiras.

O presidente da Febraban e do Bradesco, Márcio Cypriano, tem defendido com insistência esses dois pontos. Segundo ele, são condições essenciais para uma redução significativa do spread, a diferença entre o custo de captação e os juros cobrados na aplicação.

O argumento parece convincente, quando se pensa exclusivamente na formação dos custos bancários. A parcela dos depósitos mantida compulsoriamente no Banco Central é uma das mais altas do mundo - 45% das contas à vista, sem remuneração, mais 8%, com remuneração. Além disso, aplicações obrigatórias a juros controlados, como no crédito agrícola, reduzem a parcela emprestada a taxas livres. No entanto os balanços continuam revelando lucros enormes e uma rentabilidade invejável, um bom argumento para quem contesta as explicações dos banqueiros. Se, apesar de tudo, eles continuam ganhando tanto dinheiro, por que não podem operar com margens menores e mais condizentes com as necessidades do crescimento econômico?

Os dois lados parecem ter alguma razão. O ministro da Fazenda acusa os banqueiros de pouco ter feito, até agora, para reduzir os spreads. Poderiam fazer mais, em vista da lucratividade apontada nos balanços. Ao mesmo tempo, os críticos do governo estão certos, ao classificar as novidades anunciadas como pouco eficazes para diminuir os juros.

Para começar, o pacote nem é muito inovador. Já existe no BC um cadastro positivo de clientes, acessível aos bancos privados. A novidade consistirá na ampliação do cadastro, com a inclusão de operações com valores abaixo de R$ 5 mil. O DOC reverso, outra mudança prometida, apenas tornará mais simples a transferência de recursos do correntista para outro banco. Com isso, a concorrência entre as instituições poderá aumentar. Isso poderá estimular a oferta de maiores benefícios para os depositantes.

Mas não há sinal, ainda, de outras medidas para estimular a competição e diminuir os juros. Se surgirem, serão diferentes daquelas já divulgadas.

A diminuição do compulsório, reivindicada pelos banqueiros, poderia fazer diferença? Talvez sim, mas isso é duvidoso. O funcionamento do mercado continua a depender do Tesouro Nacional, o maior tomador de empréstimos.

Enquanto tiverem esse cliente cativo e disposto a pagar juros muito altos, dificilmente os banqueiros serão estimulados a competir no mercado, oferecendo empréstimos a juros muito menores que os de hoje. O próprio governo, com sua desmesurada fome de recursos de curto prazo, é o maior obstáculo a uma efetiva concorrência entre os bancos. Esse mesmo argumento é usado pelos dirigentes do BC, para explicar por que não podem cortar mais rapidamente os juros básicos: não podem fazê-lo porque o Tesouro continua a gastar excessivamente.

Enquanto esse quadro não muda, nem os bancos estatais barateiam seus empréstimos, a não ser por pressão de seu maior acionista.