Título: Reeleição no cargo ameaça virar guerra nos tribunais
Autor: Mariângela Gallucci
Fonte: O Estado de São Paulo, 20/08/2006, Nacional, p. A6
Um mês e meio de disputa pelo Palácio do Planalto, com uma semana de propaganda no rádio e na TV, provam que a modalidade de campanha envolvendo o presidente na disputa pela reeleição precisa urgentemente ser regulamentada. O comportamento do presidente Luiz Inácio Lula da Silva mostra que, quanto mais acirrada a disputa, maior a tentação de usar e abusar da máquina pública.
A falta de regulamentação da reeleição presidencial, somada à minirreforma eleitoral feita em maio (Lei 11.300), será responsável por grande parte das ações na Justiça. Há uma confusão sobre as regras que proibiram os showmícios e a distribuição de brindes, enquanto o presidente pode quase tudo e tem mal-demarcado o espaço entre o candidato e o chefe de Estado.
O saldo desse clima político é sintetizado pela frase do ex-ministro do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) e experiente advogado Fernando Neves: "A figura principal desta campanha será o advogado, não o marqueteiro." Na opinião dele, parte da confusão deve ser creditada à falta de clareza na legislação eleitoral e parte, ao fato de um dos candidatos, o presidente, disputar a eleição no poder.
As dúvidas são tantas, afirmou Neves ao Estado, que até os advogados estão confusos. Mário Luiz Silva, que defende o PT, também vê problemas na lei confusa ou na ausência da lei. "O horário eleitoral, por enquanto, não mostrou polarização entre os candidatos. Mas as representações feitas até agora dizem respeito a aspectos formais da campanha", constata.
O ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) e presidente do TSE, Marco Aurélio Mello, não tem dúvida de que reeleição sem regulamentação é um chamariz para "toda a sorte de pecados e pecadilhos". O próprio candidato tucano, Geraldo Alckmin, apontou na quarta-feira, no evento Eleições 2006 no Estadão, uma condicionante para que o direito à reeleição seja mantido.
Alckmin afirmou não existir nenhum pré-acordo com os candidatos José Serra (SP) e Aécio Neves (MG) para, em caso de vitória tucana para o Planalto, ele patrocinar o enterro puro e simples do instituto da reeleição. Mostrou-se favorável à manutenção da reeleição, mas fez uma ressalva: do jeito como está, são "flagrantes os abusos por uso da máquina pública". E emendou: "Se não conseguir regulamentar a campanha, estabelecendo limites, vou ajudar a acabar com a reeleição".
CAUTELA
Já o mineiro José Eduardo Alckmin - primo e advogado do candidato - avalia que a campanha deste ano pode ir até o fim em clima de tranqüilidade judicial. A fonte da calmaria, na sua opinião, deve-se ao fato de a verdadeira disputa se dar apenas entre dois candidatos: "É o Geraldo e o Lula, e os dois estão na linha da cautela", afirmou.
A fonte de preocupação daqueles que se incomodam com a falta de regulamentação da reeleição é a maneira como Lula tem usado espaços e políticas públicas para fazer campanha. O caso registrado quarta-feira exemplifica bem o problema: a visita protocolar e oficial à sede do Banco do Brasil, em Brasília, transformou-se em um comício no qual funcionários cantaram "olê-olê-olê-olá-Lulá-Lulá".
Do início do ano até agora, chegaram ao TSE 148 representações, sendo 84 a partir de julho, quando foram registradas as candidaturas. Lula sofreu apenas uma derrota, sendo multado em R$ 900 mil. Os ministros concluíram, a partir de ação proposta pelo PSDB, que a candidatura petista fez propaganda eleitoral antecipada ao editar e distribuir 1 milhão de cartilhas no início do ano.
Os números dos anos anteriores mostram que há um crescimento de representações no período eleitoral. Em 2002, foram protocoladas no TSE 287 representações, sendo 247 a partir de 6 de julho. Em 1998, quando o então presidente Fernando Henrique Cardoso foi reeleito, chegaram 201 representações, 176 no período eleitoral.
Contra a campanha de Lula no horário eleitoral foram protocoladas duas representações, do PSDB e PFL. Na primeira, a coligação acusa Lula de invadir o tempo do candidato petista ao governo de São Paulo, Aloizio Mercadante. Na outra, PSDB e PFL pediram a retirada do ar de inserções de rádio que não teriam identificado a coligação. Até ontem os advogados de Lula não tinham protocolado nenhuma representação contra os adversários.