Título: 'Não sou relações públicas, mas defensor de um interesse coletivo'
Autor: Marco Aurélio Mello
Fonte: O Estado de São Paulo, 20/08/2006, Nacional, p. A6
O presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), ministro Marco Aurélio Mello, diz que seus apelos insistentes ao eleitor, pedindo que use o poder de voto com rigor, em outubro próximo, fazem parte de uma batalha de comunicação institucional. "Não sou relações públicas, mas defensor de um interesse coletivo", afirma. E para quem acha que ele está falando demais, o ministro justifica-se, nesta entrevista ao Estado, dizendo que prefere pecar por excesso do que por omissão.
Para Marco Aurélio, o eleitor não pode ser visto como vítima, uma vez que boa parte da solução para os problemas políticos está "nas escolhas que fazemos". E acrescenta: independentemente dos ritos que o Poder Judiciário tenha de cumprir para afastar ou não candidatos das disputas, o eleitor pode, no mínimo, escolher os seus representantes baseado no princípio de que "onde há fumaça há fogo". A seguir, os principais trechos da entrevista:
Em alguns setores da opinião pública há a sensação de que o senhor está falando muito, responsabilizando o eleitor em demasia pelos destinos do País. O que o sr. diz?
Não falo demais, não. O papel que eu personifico como presidente do TSE é um papel institucional. Não ocupo um cargo de relações públicas, mas de defensor de um interesse coletivo. Se quisermos viver dias melhores, precisamos, entre outras providências, escolher com rigor os candidatos.
A questão é: não há excesso verbal nessa sua batalha da comunicação?
É hora de agir. Prefiro pecar por excesso do que por omissão. Sou juiz, sou humano, sou emotivo. Não podemos nos comportar como se não estivesse acontecendo nada de diferente no País.
Por que o senhor põe tanta responsabilidade sobre os ombros dos eleitores?
Além dos apelos ao voto nulo, há uma espécie de nojo da situação vivida, de contrariedade coletiva em exercer um direito. Mas o voto é obrigatório, não é apenas um direito, mas também um dever. Portanto, como presidente do TSE tenho o dever institucional de lembrar que parte da solução do problema passa, sim, pelo crivo do eleitor. As pessoas não podem se comportar como se o problema não fosse delas, como se fossem apenas vítimas. O voto tem um poder incrível e a chave de parte do problema está nas escolhas que fazemos. Sei que essa minha insistência incomoda algumas pessoas, mas, já que a quadra é de purificação, vou continuar cumprindo o que julgo ser meu dever.
Alguns eleitores se perguntam onde estava a Justiça Eleitoral quando permitiu que políticos, alguns deles réus confessos ou investigados pelas polícias, procuradores e CPIs, registrassem suas candidaturas com a maior sem-cerimônia?
A Constituição diz que ninguém está condenado em definitivo até que seja proferida uma sentença da qual ele não possa recorrer mais. A Lei Eleitoral pede que os candidatos apresentem certidões criminais, mas não diz que o fato de o candidato enfrentar um processo o retira obrigatoriamente da disputa eleitoral. Já o eleitor é livre para formar o juízo que bem entender sobre o perfil dos candidatos, independentemente de ele enfrentar ou não problemas na Justiça. O eleitor é livre para pensar, por exemplo, que onde há fumaça há fogo. Votando com base na fumaça, o eleitor não está pré-condenando o candidato no Judiciário, apenas deixou de o eleger. O eleitor fez uma escolha que não interfere no processo jurídico.
O momento prova que a campanha presidencial à reeleição precisa ser regulamentada?
É certo que, ao instituirmos a reeleição na nossa cultura política, erramos ao não fazer a regulamentação, o que gerou toda a sorte de pecados e pecadilhos.