Título: Uma história na política e traço nas pesquisas
Autor: Paulo Moreira Leite
Fonte: O Estado de São Paulo, 20/08/2006, Nacional, p. A13

Aos 76 anos, Plínio de Arruda Sampaio, candidato ao governo de São Paulo pelo PSOL, dá traço no Ibope, mas possui o maior passado da campanha de 2006. Orgulha-se de ter as mesmas idéias políticas desde 1961, quando se declarou socialista-cristão.

Quase cinco décadas depois, ele devota tamanho horror à globalização e ao espírito da sociedade de consumo que admite até sentir saudade daquelas "carroças motorizadas" que circulavam pelo País no fim da década de 80, antes da abertura estrutural promovida no governo de Fernando Collor. "A carroça é o modelo que interessa à maioria dos brasileiros", afirma. Ele também se queixa dos telefones celulares: "Para que precisamos de tantos modelos ultramodernos", pergunta, antes de acrescentar: "Também não sei para que temos tantos tipos de sucrilhos no café da manhã."

Plínio acha que o Brasil tem pouca renda para tantas tentações de consumo. Afirma ainda que o País vive uma "modernização muito acelerada, que exclui a maioria da população". Mas, embora fale de economia, ele dá a impressão de que fala de Deus, traduzindo para o mundo material da política idéias que nasceram de uma convicção cristã profunda, que se envergonha pela miséria e se ofende com a opulência. Plínio é um católico que curva a cabeça e fica com a voz grave quando pronuncia palavras como "igreja", "fé", "religião". Não há aposento, na casa onde mora - uma residência confortável, mas sem luxos no Ibirapuera -, em que não se veja pelo menos um crucifixo.

Em campanha, Plínio anda com o próprio automóvel e divide assessores com o deputado Ivan Valente. Dia desses, acordou de madrugada para participar de um comício em São José dos Campos. Na volta para São Paulo, havia uma parada no ABC, em companhia da candidata presidencial Heloísa Helena. Mas Plínio estava tão cansado que foi direto para casa. Há três semanas, ele chegou às 10 da manha à Praça Oswaldo Cruz, para um ato contra a guerra no Líbano. Em companhia de militantes islâmicos que usavam a camiseta negra do Hezbollah e vários grupos esquerdistas de bandeira vermelha, falou para uma platéia de 4 mil pessoas - não perdeu o ânimo nem quando o serviço de som pifou, em pleno discurso.

O candidato gosta de dizer que sua "luta vem de longe", e tem razão. Se hoje está no partido da trotskista-cristã Heloísa Helena, há 45 anos era homem de confiança do governo de João Goulart no Congresso, onde assumiu, com menos de 30 anos, a função de relator do projeto de reforma agrária. Pouco depois, com direitos políticos cassados, mudou-se com a família para viver exilado no Chile e depois nos Estados Unidos. Em Santiago, abriu a casa para encontros semanais de intelectuais perseguidos e políticos cassados, onde Fernando Henrique Cardoso era ouvido como uma mente brilhante e reveladora. "Ele era bem esquerdista, viu", ironiza. Na volta ao País, Plínio chegou a emprestar um carro zero-quilômetro do filho mais velho para ajudar nas campanhas sindicais de operários metalúrgicos de São Paulo.

Quando o PT engatinhava, foi incorporado ao partido no pacote adquirido por Lula para arrematar uma fatia da Igreja Católica. Foi ele quem redigiu o estatuto original do PT, dizendo que o partido deveria funcionar debaixo para cima, onde os "núcleos de base" davam palpite em buracos de rua e alianças presidenciais. "Eu não mudei de lugar. Os outros é que mudaram."

Neto de fazendeiro de café, filho de um antigo secretário de Segurança Pública do Estado, Plínio foi jovem boêmio, que atravessava madrugadas em bares pelo centro da cidade. A sala de sua casa tem móveis sólidos, de madeira boa e antiga - herança da família da mulher, Marieta. Os quadros e demais objetos são discretos, como se não quisessem agredir um ambiente que sempre deve ser harmonioso. Andando pelo escritório, Plínio pára diante do retrato amarelado do avô materno e diz: "Era um homem notável." Deputado federal, o antepassado ilustre lutou para construir uma estrada de ferro que ligaria a cidade de Taubaté ao litoral norte, abrindo espaço para exportação de café. Foi um combate parlamentar longo e derrotado. "Ele estava certo. Sem a estrada de ferro, o Vale (do Paraíba) foi povoado por cidades fantasmas."

Plínio freqüenta a internet com interesse e até acha que a campanha "deveria andar onde estão os jovens". Ele gosta de falar de sua atuação no governo de Carvalho Pinto (1959-1963), para quem elaborou o Plano de Ação. "Foi a primeira vez que um governo planejou seus gastos ao longo de todo o mandato, distribuindo as despesas ao longo de quatro anos," conta. "Antes, os planos só cobriam o ano seguinte." Também foi no governo Carvalho Pinto que Plínio levantou recursos para uma reforma agrária no interior de São Paulo, uma das primeiras do País. "O governador era um conservador com preocupações sociais verdadeiras", diz. "E muito nacionalista." (Temendo provocar os aliados conservadores, Carvalho Pinto chamou a reforma agrária de "revisão agrária").

Andando pela biblioteca, Plínio apanha um volume de 700 páginas, assinado por uma estudante da USP, Larissa Mies Bombardi. É uma tese sobre a "revisão agrária" de 1961. Plínio folheia o calhamaço, com textos, mapas e até fotos de algumas famílias de agricultores assentados. Pára diante da foto de um casal de velhinhos e diz: "Acho que a vida deles melhorou." Avança mais algumas páginas, vê uma casa modesta, mas bem arrumada: "Veja isto. Não estão bem?" E assim caminha o candidato, entretido com aqueles rostos e lembranças que vêm de longe e uma campanha com tantos passos impossíveis pela frente.