Título: Estudo vê mau uso da verba social
Autor: Sérgio Gobetti, Lígia Formenti
Fonte: O Estado de São Paulo, 20/08/2006, Nacional, p. A16

Os governos municipais, estaduais e federal aplicaram no ano passado cerca de R$ 425 bilhões na área social, o maior gasto dos últimos 15 anos, mas 59% desse total foi despendido no pagamento de benefícios e transferências às famílias e só 41% foi para ações que efetivamente podem mudar a vida das pessoas. A conclusão faz parte de um estudo elaborado pelo economista José Roberto Afonso, que faz uma radiografia completa das despesas dos governos em 2005.

Os dados foram extraídos dos balanços orçamentários e mostram que o gasto social brasileiro é um dos maiores da América Latina, mas não tem a mesma qualidade de outros países com bons indicadores. Em proporção do Produto Interno Bruto (PIB), o gasto social chega a 21,9% no Brasil, enquanto no Uruguai é de 21%, na Argentina, 20% e no Chile, 14,8%.

Nesses três países, entretanto, a maior parte dos recursos públicos é canalizada para educação e saúde, enquanto no Brasil o predomínio do gasto se dá com Previdência e assistência social.

No ano passado, os benefícios consumiram R$ 251,9 bilhões dos cofres públicos no Brasil, enquanto as chamadas "ações estruturantes", concentradas em áreas como educação, saúde, saneamento, organização agrária e geração de emprego, não passaram de R$ 173,1 bilhões.

"Estamos confundindo política social com assistencialismo. Nada contra o assistencialismo em um país pobre como o Brasil, mas não podemos nos esquecer de que só as políticas universais e estruturantes serão capazes de criar condições para uma mudança no padrão de vidas das pessoas", observa Afonso.

Ele mostra que a tendência ao assistencialismo é mais forte sobretudo na União. Dos gastos com benefícios, mais de 80% são realizados pelo governo federal, enquanto na saúde esse índice é de apenas 18,9% e na educação, de 13,8%. "É um paradoxo. Parece que gastamos muito no social, mas, separando alhos de bugalhos, descobrimos que gastamos pouco naquilo que é essencial para diminuir permanentemente a pobreza e as desigualdades", diz.

Na opinião do professor da Unicamp Márcio Pochmann, ex-secretário de Marta Suplicy (PT) na Prefeitura de São Paulo, o Planalto tenta vincular sua imagem à de um governo que investe no social, mas sua política pouco se diferencia das demais administrações. "Até a ditadura militar, a área social tinha grande relevância. Depois disso, a área econômica passou a dar as cartas. E a situação se mantém até hoje."

A diferença no tratamento pode ser observada de várias formas: a área econômica tem equipe, tem política, tem metas a seguir. "O mesmo não se observa com a área social. Não há uma equipe, uma política, um objetivo único. E o resultado é claro: ministros da área social se digladiando pelos poucos recursos disponíveis."

Uma das áreas mais visadas pela equipe econômica, ultimamente, é a saúde. Em uma comparação com outros países da América Latina, o economista André Medici mostra que apenas no Paraguai a contribuição do setor público para o gasto de saúde é mais baixa do que no Brasil. Enquanto na Argentina o setor público responde por 53% do gasto com saúde, e na Costa Rica, por 69%, no Brasil esse índice não passa de 41%. Além disso, o gasto em saúde tem sido desviado pelos governos para programas assistencialistas.