Título: A imprensa na guerra pelo equilíbrio
Autor: Lorne Manly
Fonte: O Estado de São Paulo, 20/08/2006, Internacional, p. A19

As guerras na era da mídia moderna vêm acompanhadas, com freqüência, das próprias dificuldades jornalísticas. Apesar de algumas fotos adulteradas e posadas do Líbano terem sido manchete semanas atrás, elas são apenas parte de uma questão subjacente maior: o papel das imagens numa retratação justa do conflito desencadeado em julho com a incursão do Hezbollah em Israel e a captura de dois soldados israelenses.

É particularmente exasperador, para muitas organizações noticiosas americanas, o esforço para determinar como e em que proporção as imagens de civis mortos e feridos devem ser exibidas em sua cobertura, quando as baixas de um lado são muito superiores às de outro. O cálculo jornalístico é dificultado por se tratar do conflito árabe-israelense, um tópico que atormenta como nenhum outro os editores de notícias, e pelo envolvimento de um grupo, o Hezbollah, que é considerado terrorista pelo governo americano. Mas a tomada de decisão torna-se ainda mais carregada pelo poder das fotos e imagens de TV, que são mais evocativas - e provocativas - que a palavra escrita e falada.

¿São as fotos e imagens de TV que balançam as pessoas¿, diz a jornalista Jane Arraf, do Conselho de Relações Exteriores, cujo trabalho de oito anos na CNN incluiu a chefia de escritório em Bagdá.

Editores e executivos de jornais, revistas e redes de TV abertas e a cabo dizem que não impuseram uma fórmula de cobertura justa no conflito entre Israel e Hezbollah. ¿Isto não é um evento esportivo, onde contamos os pontos de cada lado¿, diz Jonathan Klein, presidente da CNN para os EUA.

Mas eles reconhecem que estão perfeitamente conscientes em manter certo equilíbrio no tempo, seja este um ciclo de notícias em redes noticiosas 24 horas ou uma semana de noticiários noturnos da TV ou de jornais. E eles dão uma atenção especial às imagens por causa de seu poder.

¿Fotos são mais complicadas que palavras porque seu conteúdo é, em grande medida, emocional, visceral, e não se pode editar esse conteúdo¿, diz Bill Keller, editor executivo do jornal The New York Times. ¿Não se pode inserir um parágrafo de contexto numa foto.¿

Numa cobertura noticiosa contínua como esta, diz Keller, o jornal baseia suas escolhas fotográficas num leque de fatores que inclui qualidade, originalidade e relevância da imagem. ¿Você não diz: `Ontem demos destaque a libaneses inocentes mortos, por isso hoje precisamos destacar israelenses inocentes mortos¿¿, afirma ele. ¿Mas ao longo do tempo você procura retratar todo o leque de conseqüências da guerra.¿

Esse objetivo é ainda mais desafiador quando se lida com fotos que transmitem, melhor que qualquer outro meio, a eloqüência e o significado de situações pavorosas, diz David Friend, editor de desenvolvimento criativo da revista Vanity Fair e ex-diretor de fotografia da revista Life.

¿Elas capturam sucintamente muitas camadas de significado num espaço confinado¿, diz Friend, cujo livro Watching the World Change: The Stories Behind the Images of 9/11 (Vendo o Mundo Mudar: as Histórias por trás das Imagens do 11/9) será publicado no próximo mês. ¿É o equivalente artístico do poder atômico, onde se tem tanta energia num espaço tão pequeno que ela tem de explodir.¿

Jon Banner, produtor executivo do World News With Charles Gibson da TV ABC, diz que não conseguiria lembrar um evento noticioso recente mais difícil de cobrir, dada a complexidade das questões e a natureza poderosa das imagens. Geralmente, a ABC tem exibido um segmento do Líbano e um de Israel como forma de reportar os dois lados da luta.

Para alguns, isso é negligenciar o dever jornalístico. Alguns críticos de Israel argumentam que, como o número de mortos e a destruição são maiores no Líbano, uma espécie de proporcionalidade deveria estar presente nas reportagens resultantes. Qualquer outra coisa trairia uma posição pró-israelense. Mas os defensores de Israel dizem que uma abordagem dessas confere uma equivalência moral distorcida. Israel é uma nação democrática exercendo seu direito de autodefesa, argumentam, ao passo que o Hezbollah é uma organização terrorista que usa o povo do Líbano como escudo humano.

Nas quase cinco semanas de combate antes da trégua, morreram mais de mil libaneses, muitos deles, civis, e cerca de 150 israelenses, na maioria soldados. Tendo em mente esses dados, a idéia de um equilíbrio no número de fotos para cada lado ¿se iguala a uma falsa equivalência moral¿, diz Arraf.

Para outros, porém, esse argumento desfigura uma compreensão das verdadeiras questões deste conflito. ¿Proporcionalidade é um termo sem sentido num conflito como este¿, diz Charles Johnson, cujo blog Little Green Fottballs revelou que um fotógrafo free lance trabalhando para a agência Reuters havia alterado imagens para fazer os danos causados por ataques aéreos israelenses em Beirute parecerem piores do que eram. O Hezbollah, na sua opinião e na de outros, é um grupo niilista que não tem escrúpulos sobre o sacrifício de civis.

¿O Hezbollah está vencendo a guerra de imagens porque ele não está sendo associado a táticas de guerra imorais e inescrupulosas, para não mencionar o objetivo de guerra genocida de varrer Israel do mapa¿, diz Max Boot, bolsista sênior do Conselho de Relações Exteriores.

Executivos de organizações noticiosas, já endurecidos por queixas de vários lados sobre a cobertura do Oriente Médio, dizem que tentaram não se pautar pelos críticos. ¿Eles não querem que você seja equilibrado¿, diz Keller, do New York Times. ¿Querem que retrate a moralidade da guerra como eles a vêem.¿ Banner, da ABC News, acrescenta: ¿Nosso trabalho não é decidir se um lado merece ou não mais ou menos. Nosso trabalho é reportar as notícias.¿