Título: Homem brasileiro não aprendeu a envelhecer tão bem quanto a mulher
Autor: Clarissa Thomé
Fonte: O Estado de São Paulo, 20/08/2006, Vida&, p. A26
Os homens têm mais dificuldade que as mulheres para envelhecer. Eles se cuidam menos, não fazem exercícios físicos, vão menos ao médico do que elas e, por conseqüência, têm mais problemas de saúde e vivem menos. A constatação é da socióloga e demógrafa Dalia Romero, pesquisadora do Centro de Informação Científica e Tecnológica da Fundação Oswaldo Cruz (Cict/Fiocruz).
¿A dupla jornada, que parecia ser uma desvantagem, acabou preparando a mulher para a velhice¿, explica a pesquisadora. ¿O fato de ter se dividido entre casa, trabalho, cuidado dos filhos, faz com que ela tenha mais habilidade para se adaptar a essa nova fase da vida, o que não acontece com o homem.¿ Em resumo, o lar é um ambiente estranho para ele. ¿Ao se aposentar, perde sua função social e, muitas vezes, entra em depressão.¿
Dalia encontrou as informações que comprovavam sua tese ao analisar levantamentos como a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios, do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (Pnad/IBGE), e a pesquisa Saúde, Bem-Estar e Envelhecimento (Sabe), financiada pela Organização Pan-Americana de Saúde (Opas).
DESCUIDO MASCULINO
Os dados apontam que 54% das mulheres com mais de 60 anos se exercitam, enquanto entre os homens da mesma faixa etária o índice cai para 46%. Entre as idosas, 74,9% nunca fumaram. A parcela de homens que não experimentaram cigarros é bem menor - 20%.
Em grupos de dez mulheres, oito compareceram a consultórios médicos no ano anterior à pesquisa. Entre os homens, apenas cinco procuraram tratamento no mesmo período.
Os estudos analisados por Dalia mostram que os idosos têm menos autonomia doméstica do que as mulheres mais velhas. Entre elas, 16,7% moram sozinhas. Os homens com mais de 60 anos que vivem sozinhos são apenas 9%.
¿De acordo com as estatísticas, ao longo da vida muitos homens formam lares diferentes e, ao envelhecer, já estão separados da mulher mais nova. Isso não tem peso logo. Mas, mais tarde, ao adoecer ou chegar a velhice, eles não têm arranjo familiar forte, o que explica o número alto de idosos nas instituições de longa permanência, como asilos¿, afirma.
Mas o dado que mais impressionou a pesquisadora é o que trata da auto-avaliação da saúde. Uma mulher de 50 anos com dificuldade para andar, correr ou levantar peso tem 2,5 vezes mais chance de avaliar sua saúde como ruim comparando-se com uma mulher na mesma faixa etária sem deficiência alguma.
Um homem de 50 anos com as mesmas dificuldades tem chance quatro vezes maior de avaliar mal sua saúde em comparação com um sem deficiência. Para a pesquisadora, isso quer dizer que ele reluta em admitir as deficiências próprias da idade. E se incomoda mais com elas do que as mulheres, que as encaram com maior naturalidade.
SEXO FRÁGIL
¿Além disso, o homem com alguma incapacidade tem pior qualidade de vida do que a mulher. Ele tem dificuldade de aceitar ajuda. E sofre muito quando não se vê mais na posição do provedor, do responsável pela família.¿
Salo Buksman, diretor da Sociedade de Geriatria e Gerontologia do Rio de Janeiro, observa no próprio consultório a dificuldade que o homem tem para envelhecer. Somente 30% dos seus clientes são do sexo masculino. As mulheres são maioria, principalmente para consultas preventivas.
¿Elas buscam um envelhecimento bem sucedido, procuram ter estilo de vida saudável. Já os homens sofrem impacto forte quando se aposentam. É freqüente que se deprimam. E quem nunca teve hábito de cuidar dos outros nem de se cuidar, mantém esse padrão¿, afirma o médico.
Buksman acredita que essa dificuldade masculina seja de fundo cultural. ¿O indivíduo se tem em alta conta ao longo da vida, se vê como forte. Procurar ajuda médica é sinal de fraqueza ou fragilidade.¿ Para o médico, o processo de conscientização passa necessariamente pelas sociedades médicas, que podem promover campanhas. ¿É importante divulgar a necessidade de prevenção¿.
A pesquisadora Dalia completa que é necessária ainda uma mudança cultural. ¿É fundamental diminuir a cobrança sobre o menino, acabar com raciocínios como homem não chora, homem não adoece¿, diz.
A pesquisa Desigualdade de Gênero no Envelhecimento foi apresentada em julho, no Rio, num seminário que reuniu representantes da América Latina, Caribe, EUA e Espanha. O encontro é preparatório para o Plano de Ação Internacional de Madri sobre o envelhecimento, reunião marcada para 2007.