Título: Há vagas, mas falta mão-de-obra qualificada para ocupá-las
Autor: Patrícia Cançado
Fonte: O Estado de São Paulo, 20/08/2006, Economia, p. B4

A partir de agora, a Vale do Rio Doce vai precisar contratar pelo menos 3,8 mil funcionários até o fim de 2007 se quiser crescer no ritmo planejado. O volume gigantesco de contratação lembra mais a Índia que o Brasil. O problema é que a Vale não encontra gente suficiente para as funções mais básicas, como eletricista, soldador, mecânico, operador ferroviário e técnico de mineração, que representam o grosso das vagas. De novo, nem parece Brasil. No país onde mais de 10% da população economicamente ativa está desempregada, sobram vagas por falta de qualificação.

O problema é grave. E não afeta só a Vale. Todas as empresas brasileiras que têm pressa e precisam fazer contratações em massa enfrentam o mesmo desafio. Como nesse caso brecar o crescimento significa prejuízo, as empresas decidiram fazer o papel da escola.

Elas estão formando mão-de-obra especializada por conta própria. ¿A população até está se qualificando mais. O problema é que ela não acompanha o ritmo de demanda dessas empresas¿, diz Marcelo de Ávila, economista do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea). ¿O treinamento é a única saída no curto prazo.¿

Até pouco tempo atrás, o ponto crítico da Vale eram os geólogos e engenheiros de minas. O problema foi resolvido com uma parceria com a Universidade Federal de Ouro Preto. Para resolver o segundo nó, a Vale criou um programa de formação profissional em parceria com o Senai.

Na primeira fase do curso, que dura quatro meses, a Vale paga uma bolsa de estudo de R$ 350 para 2 mil pessoas por ano aprenderem a teoria. Nesse período, eles não trabalham. O bom aluno é contratado e passa mais oito meses tendo aulas práticas nas unidades da Vale.

No ano que vem, a empresa vai repetir o mesmo ciclo. ¿A contratação deve ser planejada com muita antecedência. Há uma grande deficiência na formação técnica no Brasil¿, diz Dayse Gomes, gerente geral de Desenvolvimento de Pessoas da companhia.

CANTEIRO DE OBRAS

A Suzano Papel e Celulose vive uma fase áurea. Tem US$ 1,3 bilhão para investir até 2008 no aumento da sua capacidade de produção em Mucuri, na Bahia. Conseguir o investimento foi só a primeira fase do projeto. O grande desafio da Suzano agora é erguer a fábrica e pôr gente capacitada lá dentro.

A empresa já deu início à contratação dos 1,5 mil empregados que irão trabalhar na fábrica a partir de 2007. Uma parte dessa turma está plantando florestas. A outra fica fechada num centro de treinamento ao lado da fábrica. Ali, passarão 3 mil horas. Só estudando.

Enquanto esses funcionários ficam no banco escolar, outros 4 mil operários trabalham no canteiro de obras da nova fábrica da Suzano. Apesar de terceirizar a contratação da mão-de-obra, a Suzano decidiu construir um galpão na cidade de Itabaratã, perto de Mucuri, para treinar esse pessoal. Há cursos de pedreiro, armador de ferragens, pintor, montador de andaimes, caldeireiro e por aí vai.

A obra chegará ao pico no fim deste ano, quando um exército de outros 4 mil operários entra em ação. ¿Estamos começando a perceber um certo estrangulamento na construção especializada. O Brasil não vai resolver o problema do desemprego gerando emprego¿, diz Ernesto Pousada, diretor do Projeto Mucuri, da Suzano. ¿Estamos concorrendo pela mesma mão-de-obra que constrói os projetos da Vale¿. Detalhe: a Vale não tem dez canteiros de obra espalhados pelo País.

No Brasil, há 100 usinas de açúcar e álcool em construção no momento, outra área que cresce em ritmo alucinante. A previsão é de que neste ano 50 mil postos diretos e indiretos de trabalho sejam criados no setor. Encontrar gente para trabalhar na lavoura é fácil. A missão mais difícil é encontrar profissional especializado.

Atualmente, de cada dez empregos criados no setor, quatro são industriais. ¿No Grupo Moema, acionista em sete usinas, está cada vez mais difícil achar um operador de caldeira de alta pressão, por exemplo¿, diz Maurílio Biagi Filho, presidente do grupo.

O problema é generalizado. Aparece até no varejo. O Wal-Mart pena para achar padeiro, açougueiro, peixeiro, confeiteiro e cozinheiro para as 11 lojas que pretende abrir até o fim do ano. O mesmo vale para Pão de Açúcar e Carrefour, que também têm planos ambiciosos de expansão para 2006.

Este será o ano de contratação recorde na história da subsidiária brasileira do Wal-Mart. De agosto a dezembro, a rede deve contratar 4 mil funcionários. Para alguns, o treinamento começa três meses antes. Quando não há uma segunda loja da rede na cidade, a empresa põe a turma num ônibus e leva os funcionários para uma temporada na cidade mais próxima onde tenha Wal-Mart. ¿É quase uma operação de guerra¿, diz Marcelo Vienna, vice-presidente de Recursos Humanos do Wal-Mart.

O Brasil quer replicar o milagre indiano de crescimento mas ainda não tem gente preparada para tanto. Esse aspecto também é limitador nas empresas de tecnologia da informação. A IBM tem feito uma via-crúcis para encontrar programadores de computador que falem inglês fluente. Boa parte dos 5 mil funcionários que ela está contratando entre 2006 e 2007 deve ter esse perfil. A EDS vive o mesmo dilema.