Título: Proibição de queimadas reduz corte de cana
Autor: Renée Pereira
Fonte: O Estado de São Paulo, 20/08/2006, Economia, p. B6

Sidiclei Aparecido é cortador de cana. Nas mãos, segura o controle de uma colheitadeira, uma máquina enorme parecida com um gafanhoto feito de metal e força bruta que engole até 600 toneladas de cana por dia. Volume equivalente ao trabalho de 120 homens bem dispostos. Nem sempre foi assim. Por quatro safras, o paulista de Altinópolis tinha nas mãos apenas um facão para deitar a fileira interminável de cana sob o mesmo sol que hoje retira a umidade do ar. Sidiclei se diz ¿privilegiado¿.

O corte manual da cana-de-açúcar está, neste momento, ameaçado não apenas pelas máquinas, mas pela situação ambiental de Ribeirão Preto. A escassez de chuvas fez com que a gerência do escritório regional da Cetesb suspendesse a queima da cana. Boa parte da produção moída nas usinas ainda é colhida após a queimada da palha.

A agência ambiental paulista tenta evitar o que já ninguém suporta: um quadro ainda pior da umidade relativa do ar, que está inferior a 20%. Além de Ribeirão Preto, a região de Barretos também está proibida de queimar canaviais.

SOLUÇÃO

A lei estadual que regula o assunto determina que, nessas condições, a queimada preparativa para o corte é proibida. Mas a suspensão das queimadas, que vigora há duas semanas sem interrupção em Ribeirão Preto, começa a criar dificuldades para os produtores. A Usina da Pedra, uma das três unidades do Grupo Irmãos Biagi, passou de 22 mil para 19,5 mil toneladas de cana moída por dia.

A usina deslocou os 250 cortadores para a região de Batatais, onde a umidade do ar está mais alta e não houve a restrição para as queimadas. ¿As áreas de cana em Batatais não são muito extensas. Não tenho muito trabalho lá, caso não volte a chover, a solução será cortar a cana crua, sem a queima¿, explicou Hebert Trawitzki, gerente de Produção, Colheita e Transporte da Usina da Pedra.

Há várias razões para se evitar o corte em canavial cheio de palha, com a cana crua. O rendimento dos trabalhadores cai e custo da mão-de-obra dobra, assim como os riscos, inclusive de queimada acidental.

A situação climática obrigou a usina a abandonar o planejamento elaborado para queimadas e cortes. ¿Estamos trabalhando fora do plano inicial, não teve jeito¿, disse Trawitzki.

A situação só não é pior por que a região de Ribeirão Preto, capital da cana no Brasil, tem um dos melhores índices de mecanização do corte. A própria Usina da Pedra tem mecanizada a colheita de 85% da área própria. ¿O problema mais sério é sentido pelos fornecedores de cana para a usina. Aqueles que não têm corte mecanizado estão parados.¿

VIGILÂNCIA

Não há como fugir da regra. O calor escaldante e o ar seco tornam o ambiente hostil. A Cetesb e o Ministério Público do Meio Ambiente de Ribeirão Preto são os responsáveis pelo acompanhamento da situação. Por enquanto, o setor tem cumprido a ordem de suspender o fogo nos canaviais. Segundo Marcelo Goulart, promotor do Meio Ambiente, as queimadas são, de longe, o pior problema ambiental da região.

Ele criticou a lei que definiu um prazo para o setor parar definitivamente as queimadas. Isso deverá ocorrer em 2020. ¿Poderia ter sido antes, mas essa lei - que não é reconhecida pelo Ministério Público - concedeu mais prazo para a mecanização. Depois da lei, o setor reduziu os investimentos.¿ O setor garante que tem cumprido a regra de cortar pelo menos 35% da área com colheitadeira, mas se queixa que falta uma adequação tecnológica do equipamento para zerar o corte manual. Hoje, há limitações de terrenos para o uso da colheitadeira.