Título: Aumento da produção de álcool opõe usineiros e ambientalistas
Autor: Renée Pereira
Fonte: O Estado de São Paulo, 20/08/2006, Economia, p. B6

A expansão acelerada do setor sucroalcooleiro nos últimos anos acendeu o sinal de alerta dos órgãos ambientais. Foi-se o tempo em que levantar uma usina exigia apenas relatórios simplificados, que eram liberados em poucos meses. Hoje, as secretarias pedem estudos rigorosos de impacto ambiental e chegam a gastar mais de dois anos para permitir a entrada em operação de uma unidade. É uma demora que tem tirado o sono de muitos usineiros, cujos planos para elevar a produção de açúcar e álcool são ousados.

A questão é polêmica. Enquanto os ambientalistas exigem rigor, os desenvolvimentistas pedem mais agilidade nas licenças para que o País não perca o bom momento do setor no mundo. A preocupação dos órgãos ambientais está na construção das usinas e formação das lavouras. ¿Mas os problemas não são intransponíveis. Os empreendedores só precisam cumprir as exigências para preservar o meio ambiente¿, observa o diretor de avaliação de impacto ambiental da Secretaria Estadual de Meio Ambiente de São Paulo, Pedro Stech.

Para atender à demanda interna e externa, o setor terá de aumentar sua produção dos atuais 400 milhões de toneladas de cana-de-açúcar para 673 milhões, segundo estimativa da União da Agroindústria Canavieira de São Paulo (Unica). Isso significa montar, no mínimo, cem novas usinas com capacidade para moer cerca de 2 milhões de cana cada uma. O investimento pode chegar a US$ 14 bilhões, sem considerar a aquisição de terras. As projeções são feitas com base em três importantes fatores.

O primeiro deles é a crescente demanda de álcool com a expansão dos veículos bicombustíveis no Brasil, cuja frota completou na quinta-feira 2 milhões de veículos. Esses carros, com motor flex, já respondem por 77% das vendas de automóveis leves no País. No cenário externo, o combustível ganha cada vez mais espaço diante das preocupações ambientais e das incertezas em relação ao petróleo. Para completar o quadro positivo, o País deve se beneficiar da redução dos subsídios ao açúcar na União Européia. A expectativa é de que, em 2013, as exportações do produto atinjam 27 milhões de toneladas.

Segundo a Unica, hoje há no País 89 projetos de novas usinas, sendo 43% delas no Estado de São Paulo. Essa concentração, no entanto, pode ser um entrave ao rápido crescimento, pois tem implicações ambientais, afirma Pedro Stech. Segundo ele, algumas regiões não comportam um parque industrial, já que não têm pessoal suficiente para atender à demanda. ¿Isso significará a ida de muitas pessoas para essa área¿, diz ele, explicando que pode haver um descontrole populacional.

O executivo afirma ainda que só neste ano já entraram cerca de 40 pedidos de licenciamento e planos de trabalho na secretaria. Alguns exigem a elaboração de Estudo de Impacto Ambiental (EIA-Rima), o que significa a realização de audiência pública para explicar o projeto e recolher opiniões da população. Se o estudo cumprir as exigências, o empreendedor obtém a licença prévia (LP) para dar início ao projeto.

Mas, para começar a construir, é necessário ter a licença de instalação e, por último, a licença de operação. Esse processo todo pode demorar até dois anos. Só a análise do EIA-Rima e a concessão da LP demoram, no mínimo, seis meses. Isso se for um projeto sem grandes complicações ambientais, afirma Stech. No momento, a secretaria analisa o Estudo de Impacto Ambiental de quatro usinas localizadas nas cidades de Itapura, Ilha Solteira, Olímpia e Promissão. Além disso, estão sendo avaliados outros 14 Relatórios Ambientais Preliminares (Raps) - documento similar ao EIA, mas com menos detalhamentos e usado para projetos de até 1,5 milhão de toneladas.

Para o secretário de Meio Ambiente do Estado de São Paulo, José Goldemberg, os usineiros não estão acostumados com tantas exigências. No passado, exemplifica, não havia nenhum cuidado com a lagoa de vinhaça, resíduo líquido altamente corrosivo, mas rico em potássio, usado na fertilização dos solos cultivados com cana. Hoje, ela tem de ser feita de concreto para não contaminar o lençol freático. A quantidade de água usada no processo também tem de ser controlada. Esse problema foi resolvido pelas usinas com a adoção de um ciclo fechado que reutiliza a água.

Na avaliação de Goldemberg, a expansão do setor, da forma como vem sendo calculada, tem de ser tratada com cuidado para não causar impactos ambientais. Em Minas Gerais, onde o número de projetos também é grande, a secretaria estadual passou a exigir EIA-Rima, afirma o superintendente do Sindicato de Açúcar e Álcool do Estado, Luciano Rogério de Castro. ¿Antes bastava fazer um Relatório de Controle Ambiental (RCA), que era menos abrangente. Agora leva-se entre um ano e meio e dois anos para concluir o processo de licenciamento.¿

Castro afirma que há 21 projetos cadastrados na entidade, o que representa investimentos de US$ 2,8 bilhões e 35 mil novos empregos diretos. ¿Nesse ritmo, vamos atrasar em dois anos o processo de expansão, um prejuízo para o setor neste momento de grande discussão mundial sobre o uso do álcool.¿ Para a consultora da Unica, Laura Tetti, em artigo publicado na Revista Opiniões, ¿o processo ambiental fica reduzido a um jogo de entrave, medidas protelatórias, exigências e prazos dignos de desafiar a paciência de personagens bíblicos¿.

A usina de Dracena, por exemplo, demorou mais de dois anos para começar a operar. Em dezembro do ano passado, ainda sem licença de operação, a empresa teve de vender a cana para outros produtores, pois ainda não estava habilitada a funcionar. Segundo a empresa, eles estavam cumprindo exigências feitas pela Companhia de Tecnologia de Saneamento Ambiental (Cetesb), ligada à Secretaria do Meio Ambiente do governo de São Paulo. A licença de operação foi concedida no início de agosto. Para os produtores, o licenciamento transformou-se em um verdadeiro obstáculo para os investimentos.

¿A legislação é pertinente. Mas é preciso ter agilidade, pois a expansão vai trazer desenvolvimento para o País¿, afirma o presidente da Usinas e Destilarias do Oeste Paulista (Udop), Luiz Zancaner. Na avaliação dele, o impacto desses atrasos no mercado vai depender de vários fatores. ¿Se o petróleo continuar subindo, o consumo do álcool vai aumentar. E temos usinas que poderiam entrar em operação mais rapidamente e não conseguem.¿

Goldemberg afirma que um dos problemas para a demora na liberação das licenças são as próprias empresas, que têm dificuldade para cumprir as exigências. Ele destaca que não há muitas empresas especializadas em estudo ambiental para o setor. Mas as secretarias também têm de conviver com a falta de pessoal para avaliar projetos de inúmeras áreas.