Título: Aconteça o que acontecer, Israel não deve reconquistar o que perdeu
Autor: Richard Cohen
Fonte: O Estado de São Paulo, 19/07/2006, Internacional, p. A12

No momento, o maior engano que Israel pode cometer é esquecer que ele próprio é um erro. Um erro honesto, bem intencionado, pelo qual ninguém é culpado, mas a idéia de criar uma nação de judeus europeus numa região de muçulmanos árabes (e alguns cristãos) produziu um século de guerras e terrorismo similares ao que estamos presenciando hoje. Israel combate o Hezbollah no norte e o Hamas no sul, mas seu maior inimigo é a própria história.

É por isso que a guerra árabe-israelense, que se transformou numa guerra entre israelenses e muçulmanos (o Irã não é um Estado árabe), persiste e se amplia, e o conflito muda e se inflama. É por isso que Israel combate hoje uma organização, o Hezbollah, que não existia há 30 anos, e por isso o Hezbollah é apoiado pelo Irã, que outrora foi um aliado tácito de Israel. O ódio fundamental e subterrâneo que o mundo islâmico nutre pelo Estado judeu é apenas um borbulho na superfície. Os líderes da Arábia Saudita, Egito, Jordânia e alguns outros países árabes podem condenar o Hezbollah, mas duvido que o homem da rua compartilhe essa opinião.

De nada vale condenar o Hezbollah. Os fanáticos não se submetem à razão. E também não adianta condenar o Hamas. Trata-se de um fétido grupo anti-semita, cujo princípio de organização é o ódio por Israel.

Contudo, vale a pena advertir Israel para se conter - não por causa dos seus inimigos, mas para o bem do próprio país. Aconteça o que acontecer, Israel não deve usar sua força militar para reconquistar o que já perdeu: a zona-tampão no sul do Líbano e a Faixa de Gaza.

Os críticos de linha dura de Ariel Sharon, o líder israelense (hoje em coma) que iniciou a retirada de Gaza, sempre afirmaram que Gaza se tornaria um abrigo de terroristas, que a Autoridade Palestina moderada não conseguiria controlar os militantes e que a região seria utilizada para o disparo de foguetes e o lançamento de ataques terroristas contra Israel.

Foi exatamente o que aconteceu. É verdade também, como outros alertaram, que a saída de Israel do sul do Líbano foi considerada por seus inimigos - e reivindicada pelo Hezbollah - como uma derrota do poderoso Estado judeu. O Hezbollah assumiu o mérito disso, com razão. Seus ataques persistentes esgotaram Israel. No final, os israelenses acabaram se retirando e a ONU prometeu uma fronteira segura. O Exército libanês cuidaria dela (e até agora nada fez).

Todas as advertências tornaram-se realidade. No entanto, a retomada desses territórios seria pior. Israel bruscamente voltaria à antiga posição, subjugando uma população irada e impaciente e, aos olhos do mundo, cometendo os inevitáveis pecados próprios de uma potência de ocupação. A decisão inteligente será retornar às fronteiras que são defensáveis, embora não sejam intransponíveis. Significa sair da maior parte da Cisjordânia e esperar que (e ter esperança de que) a história tome um rumo distinto.

Isso vai levar algum tempo e, nesse intervalo, as ações terroristas e os ataques de foguetes continuarão.

Em seu livro a ser lançado, The War of the World, o historiador britânico Niall Ferguson dedica um espaço considerável à horrível história dos judeus na Europa dos séculos 19 e 20. E não pensemos no Holocausto. Em 1905 ocorreram massacres de judeus em 660 lugares diferentes da Rússia e mais de 800 judeus foram assassinados, tudo isso em menos de duas semanas. Esta foi a realidade da vida para muitos judeus da Europa.

Não surpreende que tantos tenham emigrado para Estados Unidos, Canadá, Argentina ou África do Sul. Não surpreende que outros tenham abraçado o sonho do sionismo e ido para a Palestina, primeiro uma colônia da Turquia e depois da Grã-Bretanha. Na verdade, fugiram para salvar suas vidas. E muitos dos que ficaram - 97,5% dos judeus da Polônia, por exemplo - foram mortos no Holocausto.

Outro talentoso historiador britânico, Tony Judt, concluiu seu recente livro, Postwar, com um epílogo sobre como é indispensável que o Estado civilizado moderno reconheça o Holocausto. Grande parte do mundo islâmico, sobretudo o Irã sob a presidência de Mahmud Ahmadinejad, que nega o Holocausto, permanece fora desse círculo e se recusa a dar mesmo um pequeno espaço para os judeus da Europa. Considera Israel não um engano, mas um crime.

Enquanto essa visão não for mudada, a guerra mais longa do século 20 vai persistir no século 21. Para Israel será melhor se conformar.