Título: Em São Paulo, perplexidade e revolta na colônia libanesa
Autor: José Maria Tomazela
Fonte: O Estado de São Paulo, 19/07/2006, Internacional, p. A13
A colônia libanesa de São Paulo, a mais populosa fora do Oriente Médio, com 5 milhões de pessoas, está apreensiva. As mortes de outros dois brasileiros, as informações desencontradas sobre os ataques e, principalmente, a profusão de más notícias vindas de Beirute têm tirado o sono de imigrantes e descendentes que mantêm vínculos com o país.
No bairro do Brás, região central de São Paulo onde o comerciante Aiman Daher, morto domingo em um bombardeio, morava e tinha sua loja, o conflito com Israel domina as conversas. Nas rodas de amigos, balcões e restaurantes, os semblantes são de tensão. O inimigo é citado com ódio e, certas vezes, com perplexidade: quem vive no Brasil não encontra justificativa para a investida que já matou mais de 200 pessoas.
"É uma tradição viajar pelo menos uma vez por ano para o Líbano. E este verão seria especial porque o país estava lindo e reformado, depois de muitos anos", lamenta o presidente da Academia Árabe Brasileira de Letras, Fadi Khalek. "O momento não é de discutir política, e sim a pátria. O sangue das crianças está sob nossos pés. Merecia o Líbano todo esse ódio?"
Amir, 15 anos, filho único de Khalek, estava com viagem marcada para o Oriente, onde conheceria os avós. Foi cancelada. "Hoje agradeço por isto não ter acontecido. E ficaria preocupado demais se ele estivesse lá nesses tempos", lamenta o pai.
Com tios, primos e amigos de férias no Líbano, a publicitária Simone Pierre Ziade, filha de libaneses, enumera as queixas ouvidas nos últimos dias: "Eles estão sem água, luz, comida e transportes. Todos se dizem tristes e assustados. Ninguém quer reviver o pesadelo da última guerra, nos anos 1980."
Situação que revolta a publicitária. "O Líbano está todo reformado, lindo... O que está havendo é desesperador, pois temos familiares e amigos lá e não podemos fazer nada", reclama.
NAS MONTANHAS
Neta de libaneses, a administradora de empresas Paula Cotati Kara José, diretora do Movimento Jovem Amigos do Líbano, encabeçará neste sábado, na Avenida República do Líbano, em São Paulo, uma marcha de protesto contra os bombardeios.
"Nas notícias que chegam do Líbano há um misto de insegurança, medo, preocupação e revolta. Minha família, por exemplo, teve de sair de casa e se esconder nas montanhas, sem ter idéia de quando voltará."
"O que está havendo é inadmissível. É uma guerra desigual, em que os civis estão pagando o preço", afirma Emir Mourad, secretário da Confederação Árabe Palestina do Brasil, a Copal. "Estamos nos mobilizando para pedir, de forma organizada, o fim das agressões."
CAMISETAS
A onda de ataques israelenses ao Líbano também catapultou a venda de camisetas dos grupos Hezbollah, do Líbano, e do grupo de resistência islâmica palestina Hamas, nas lojas e na internet. "Vendo uma média de 20 camisetas todos os dias, bem mais do que antes da guerra. E a maioria dos clientes é de brasileiros", confirma um fabricante que pede para não ser identificado.
Na loja, ao lado das insígnias árabes, camisetas do Exército israelense. "Antigamente, elas vendiam igual. Agora a de Israel está encostada. O pessoal está revoltado com os ataques."
O lojista admite, no entanto que entre os clientes existe uma boa parcela de "deslumbrados", que compram e vestem as camisetas dos grupos sem nem sequer saber de que países eles são.