Título: Alívio: brasileiros retornam ao País
Autor: Adriana Carranca
Fonte: O Estado de São Paulo, 19/07/2006, Internacional, p. A14

Foram 18 horas de tensão por terra em um comboio de três ônibus entre a capital libanesa, Beirute, e a cidade de Adana, na Turquia, para que 88 brasileiros resgatados no Líbano pudessem embarcar de volta ao Brasil, enfrentando mais 14 horas de expectativa até o destino final, São Paulo. Na chegada ao aeroporto de Cumbica, foram recebidos por aplausos de familiares e de representantes da comunidade libanesa. Em troca, abraços, beijos e choro, muito choro, em parte de alívio por se sentirem a salvo no dia em que mais um brasileiro, um menino de 7 anos, morreu vítima da ofensiva de Israel no Líbano (ler mais na página 13). Junto ao sentimento de alívio, a maioria dos brasileiros que desembarcaram ontem também sentia pesar por haver deixado para trás familiares libaneses em meio a um conflito que já dura oito dias.

O libanês Mohamad Chawa, de 50 anos, aguardava ansioso pela chegada da mulher Hiba, de 37 anos, que havia ido ao Líbano para mostrar pela primeira vez aos avós a filha mais nova do casal, Dana, de apenas oito meses. Ela também viajou com os filhos Homar, de 5 anos, e Nur, de 7 anos. A família estava em férias em Beirute quando começaram os bombardeios.

Durante a última semana, Hiba não deixou que os filhos sequer olhassem pela janela do apartamento da família em Beirute, de onde ouviam a todo momento aviões voando baixo e o barulho de bombas chegando cada vez mais perto. Hiba sustentou para os filhos a história de que se tratava de fogos em comemoração pela Copa do Mundo e em nenhum momento deixou que soubessem que o país estava em guerra. "Que culpa essas crianças têm? Israel está acabando com minha terra e meu povo", afirmou Mohamad, que não conseguiu dormir durante todos esses dias até reencontrar a família ontem. "Por um momento pensei que não os veria de novo", disse aliviado durante o abraço emocionado que deu na família.

O último contato da maioria dos brasileiros que estavam no Líbano com a família no Brasil foi a madrugada de segunda-feira, quando souberam que seriam retirados do país em um ônibus rumo à Turquia. O comboio foi escoltado por soldados do Exército libanês até a fronteira com a Síria. "Foram 32 horas de ansiedade e muita angústia", disse Jorge Rached, de 50 anos, que esperava a mãe Ellen, de 73 anos, com quem falou pela última vez antes de ela e mais três irmãos e um sobrinho embarcarem no ônibus.

A família havia tentado deixar o país antes por Amã, a única saída que ainda era possível, mas a estrada de acesso à Jordânia foi bombardeada no dia em que tentariam atravessar a fronteira. "Não havia alternativa. O povo estava desesperado ao tentar deixar o Líbano. Ainda há muitos brasileiros lá", disse Inês Chamma, que aguardava a filha Vanessa, de 32 anos, em férias no sul do país há dois meses.

O embaixador Virgílio Morezsohn de Andrade, chefe do escritório do Itamaraty no Rio de Janeiro, que recepcionou o avião da FAB em Cumbica, confirmou que ainda há brasileiros no Líbano e disse que o governo pode enviar novas aeronaves para resgatá-los.

Os brasileiros que desembarcaram ontem criticaram a dificuldade de entrar em contato com o consulado do Brasil em Beirute. Segundo o embaixador, o consulado foi criado há pouco mais de um mês no país, mas afirmou que tudo está sendo feito para trazer todos os brasileiros de volta ao Brasil.