Título: Os hermanos preferem os
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Fonte: O Estado de São Paulo, 23/08/2006, Notas e Informações, p. A3

O s Estados Unidos são prioritários para os latino-americanos. O Brasil não é. Essa realidade, teimosamente ignorada ou menosprezada pelo governo brasileiro, foi mais uma vez confirmada por um trabalho do Centro das Indústrias do Estado de São Paulo (Ciesp). Segundo esse estudo, o governo peruano deu tratamento mais favorável aos Estados Unidos do que ao Brasil em seus acordos comerciais. A constatação, nada surpreendente, foi comunicada ao Itamaraty, para que a diplomacia brasileira, se estiver disposta a ser um pouco mais afirmativa diante dos vizinhos, tome alguma atitude.

Pelo acordo concluído em abril, o governo peruano garantiu liberação imediata a 5.588 produtos americanos. No caso do Brasil, concessão similar vale apenas para 605 produtos. No décimo ano, será franqueada a entrada de apenas 561 produtos originários dos Estados Unidos e de 5.822 exportados pelo Brasil. A inversão dos critérios é evidente, assim como a desvantagem para as empresas brasileiras.

A Confederação Nacional da Indústria (CNI) já havia mostrado os desequilíbrios nos acordos do Mercosul com os andinos. Em todos os casos, as maiores desvantagens ficaram para o Brasil, que aceitou as maiores limitações e ofereceu as concessões comerciais mais amplas.

Também no interior do Mercosul o governo brasileiro tem sido propenso a aceitar as imposições dos parceiros, principalmente da Argentina, sem cobrança de reciprocidade. No caso do Mercosul, no entanto, os erros diplomáticos têm tido uma característica especial: o Brasil tem cedido muito menos aos sócios economicamente menores, Paraguai e Uruguai, do que à Argentina.

O problema apontado pelo Ciesp nos pactos comerciais do Peru não é novo na região. Também o Chile, ao celebrar o acordo de livre-comércio com os Estados Unidos, concedeu aos americanos vantagens maiores que as atribuídas aos sócios do Mercosul.

Os exportadores brasileiros já enfrentam forte concorrência de produtores de outros países no mercado chileno e as dificuldades deverão aumentar. A presidente do Chile, Michelle Bachelet, promulgou na segunda-feira o Tratado de Livre-Comércio com a China. Esse foi o primeiro acordo desse tipo assinado pelo governo chinês. As autoridades chilenas têm sido as mais ativas, entre as sul-americanas, na busca de pactos comerciais com grandes parceiros de todo o mundo.

A China já é o segundo maior fornecedor do Chile, abaixo apenas dos Estados Unidos. Serão liberados imediatamente 92% dos produtos chilenos enviados ao mercado chinês. A contrapartida será a pronta desoneração de 50% dos produtos chineses.

Enquanto o governo brasileiro insiste num terceiro-mundismo requentado, seus parceiros "estratégicos", tanto da América Latina quanto de outras áreas, continuam defendendo e promovendo os próprios interesses comerciais.

Foi o Brasil que elegeu a China como parceiro estratégico, mas foi o Chile que a China escolheu para sua primeira experiência de acordo de livre-comércio.

Na América Latina, a colheita dessas parcerias tem sido igualmente magra. O governo insiste em apontar o crescimento do comércio com os vizinhos como prova do acerto de sua política. Mas esse crescimento é conseqüência do esforço realizado pelas empresas, não dos maus acordos e da diplomacia fantasiosa. Além disso, o comércio com os mercados desenvolvidos tem avançado menos do que poderia, porque os concorrentes têm conquistado espaços crescentes. Acordos comerciais negociados com pragmatismo poderiam ter ampliado as possibilidades brasileiras.

Também não será surpresa se os acordos negociados pela Colômbia e pelo Equador com os EUA deixarem os exportadores brasileiros em desvantagem. Também para equatorianos e colombianos a prioridade não é a parceria com o Brasil, mas a ampliação de relações comerciais com os americanos e europeus.

"Essa história de o Brasil dar prioridade número um à América Latina não está funcionando do ponto de vista comercial", disse o diretor de Comércio Exterior do Ciesp, Humberto Barbato. Só o governo não sabe.